quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Como assim, Chico e Bethânia? Cadê o Celso?


Alguém acredita que comprar um disco pode ser, ao mesmo tempo, prazeroso, surpreendente, frustrante e satisfatório? Pois já aconteceu comigo. E decidi contar essa história porque neste dia 6 completa um mês que morreu Celso Ricardo Furtado de Carvalho, o grande guitarrista Celso Blues Boy. Confesso que apesar de toda a admiração que tenho por ele, ainda não está na minha vitrola. Mas era para estar!

Em mais uma das minhas muitas garimpagens pela área de CDs de uma grande e antiga loja de departamentos, me deparei com uma daquelas promoções imperdíveis. Era uma coletânea do Celso Blues Boy – e ao vivo! – com um precinho bem camarada. Só pensava em chegar logo em casa, ligar o som e aumentar o volume, afinal de contas, “isso aí é Rock’n’Roll!”.

Após a inevitável briga com aquela “bendita” embalagem plástica do CD (por que tem de ser tão difícil, hein?), abri a caixinha e... Cadê o Celso? Era Chico Buarque e Maria Bethânia! Imediatamente pensei em voltar à loja e fazer a troca. Mas aí, por curiosidade, observei melhor o objeto de minha indignação e tive outra surpresa: eu já conhecia aquele disco desde a adolescência! Tratava-se de um show magnífico gravado em 1975, no Canecão, no Rio de Janeiro. As boas lembranças me fizeram botar pra tocar. Está na minha vitrola até hoje.

Chico e Bethânia têm um jeito todo especial de cantar e encantar. O show é um constante e envolvente diálogo entre ambos. A primeira das 18 faixas que compõem o disco é Olé, Olá, que começa apenas com o Chico. Embora ambos sejam equivalentes, quando a Bethânia entra, parece que o espetáculo começou de novo. Ela é impressionante. Nem preciso falar nada sobre sua voz e sua interpretação. Na faixa 3, com um minuto e quatro segundos, há literalmente um diálogo que dá nome à música: Sinal Fechado. É bem uma conversinha rápida de motoristas que se emparelham no sinal vermelho, mas com a peculiar sofisticação da boa MPB.

Não vou comentar todas as faixas, mas selecionei algumas que me impressionam mais, como a quarta e a quinta, Sem Açúcar e Com Açúcar E Com Afeto. Bem coladinhas, essas músicas parecem estar se completando ou em alguns momentos se contrapondo. É um jogo de palavras dinâmico contando a rotina de dois relacionamentos. Para ficar mais provocante,  os intérpretes invertem o gênero da narração, com o Chico cantando o que seria uma mulher e Bethânia, o que seria um homem. Bom exemplo está em Camisola do Dia, na faixa cinco (vale prestar atenção ao violino bem no finalzinho).

Gosto muito de Flor Da Idade, principalmente pelo andamento da música. É cheia de vida, e vai ganhando uma velocidade entusiasmante. Sem contar que passa todo aquele clima dos grandes festivais da MPB. E o momento “Toca Raul” na faixa 15? A Bethânia bota a força da sua voz a trabalho do Roc’n’Roll, apoiada por uma rica orquestra e uma quase discreta guitarra, não fosse a característica distorção dos anos 70, aquele som de psicodelismo. É de fato uma saborosa salada de muitos temperos. Vale a pena. Agora, preciso fazer justiça e complementar minha vitrola com o Celso também.

Infelizmente, não encontrei vídeos desse show de 1975, mas achei outro encontro de Chico e Bethânia cantando Sem Fantasia, que não comentei, mas poderão ver por si a beleza disso tudo.