Alguém acredita que
comprar um disco pode ser, ao mesmo tempo, prazeroso, surpreendente, frustrante
e satisfatório? Pois já aconteceu comigo. E decidi contar essa história porque
neste dia 6 completa um mês que morreu Celso Ricardo Furtado de Carvalho, o
grande guitarrista Celso Blues Boy. Confesso que apesar de toda a admiração que
tenho por ele, ainda não está na minha vitrola. Mas era para estar!
Em mais uma das minhas
muitas garimpagens pela área de CDs de uma grande e antiga loja de
departamentos, me deparei com uma daquelas promoções imperdíveis. Era uma
coletânea do Celso Blues Boy – e ao vivo! – com um precinho bem camarada. Só
pensava em chegar logo em casa, ligar o som e aumentar o volume, afinal de
contas, “isso aí é Rock’n’Roll!”.
Após a inevitável briga
com aquela “bendita” embalagem plástica do CD (por que tem de ser tão difícil,
hein?), abri a caixinha e... Cadê o Celso? Era Chico Buarque e Maria Bethânia! Imediatamente
pensei em voltar à loja e fazer a troca. Mas aí, por curiosidade, observei
melhor o objeto de minha indignação e tive outra surpresa: eu já conhecia
aquele disco desde a adolescência! Tratava-se de um show magnífico gravado em 1975,
no Canecão, no Rio de Janeiro. As boas lembranças me fizeram botar pra tocar.
Está na minha vitrola até hoje.
Chico e Bethânia têm um
jeito todo especial de cantar e encantar. O show é um constante e envolvente
diálogo entre ambos. A primeira das 18 faixas que compõem o disco é Olé, Olá, que começa apenas com o Chico.
Embora ambos sejam equivalentes, quando a Bethânia entra, parece que o
espetáculo começou de novo. Ela é impressionante. Nem preciso falar nada sobre
sua voz e sua interpretação. Na faixa 3, com um minuto e quatro segundos, há
literalmente um diálogo que dá nome à música: Sinal Fechado. É bem uma conversinha rápida de motoristas que se
emparelham no sinal vermelho, mas com a peculiar sofisticação da boa MPB.
Não vou comentar todas as
faixas, mas selecionei algumas que me impressionam mais, como a quarta e a
quinta, Sem Açúcar e Com Açúcar E Com Afeto. Bem coladinhas,
essas músicas parecem estar se completando ou em alguns momentos se
contrapondo. É um jogo de palavras dinâmico contando a rotina de dois
relacionamentos. Para ficar mais provocante, os intérpretes invertem o gênero da narração, com o Chico
cantando o que seria uma mulher e Bethânia, o que seria um homem. Bom exemplo
está em Camisola do Dia, na faixa
cinco (vale prestar atenção ao violino bem no finalzinho).
Gosto muito de Flor Da Idade, principalmente pelo
andamento da música. É cheia de vida, e vai ganhando uma velocidade
entusiasmante. Sem contar que passa todo aquele clima dos grandes festivais da
MPB. E o momento “Toca Raul” na faixa 15? A Bethânia bota a força da sua voz a
trabalho do Roc’n’Roll, apoiada por uma rica orquestra e uma quase discreta
guitarra, não fosse a característica distorção dos anos 70, aquele som de psicodelismo.
É de fato uma saborosa salada de muitos temperos. Vale a pena. Agora, preciso
fazer justiça e complementar minha vitrola com o Celso também.
Infelizmente, não encontrei
vídeos desse show de 1975, mas achei outro encontro de Chico e Bethânia
cantando Sem Fantasia, que não comentei,
mas poderão ver por si a beleza disso tudo.