Caneta e papel na mão que lá vai
uma receita de sucesso, seja para elaborar um prato, seja para escrever uma
canção. Basta saber o quê combina com o quê, em quanto tempo e em qual
intensidade. Esta é maneira como o chef
Guga Rocha enxerga a similaridade entre música e gastronomia. “Tenho essa
teoria há muito tempo. O pessoal até me acha meio maluco, mas é verdade”,
comenta. Ao menos aqui no Vitrola, não vemos maluquice alguma. Inclusive,
compartilhamos de outra afirmação do Guga: “Sem música e sem comida não dá para
viver”. Só é preciso lembrar que nos dois casos a resposta da plateia é
imediata, positiva ou não. Mas, e daí? Quem sobe ao palco é mesmo para ver no
que vai dar.
E foi assim mesmo que o Guga
encarou os desafios profissionais. Primeiro, tentou o sucesso com o
Rock’n’Roll. “Pode procurar na Internet: Banda Arcanjo MTV. Vai me encontrar lá
todo cabeludo”, sugere o chef, que saiu
de Maceió para garimpar oportunidades em um cenário mais promissor, a
apocalíptica megalópole capital paulista. Mas como diz um dos clássicos do AC
DC: “It’s a long way to the top if you
wanna Rock’n’Roll”. As contas não esperariam os holofotes, então foi preciso
tomar providências. O emprego como ajudante de cozinha veio bem a calhar.
A coisa toda já estava no DNA, desde
sua avó confeiteira. Com a dedicação ao aprendizado, tanto acadêmico como de
outras maneiras, os resultados começaram a aparecer. O talento brilhou na
gastronomia. Mesmo sem a banda, a música seguiu acompanhando sua nova carreira.
“Escuto muita música enquanto cozinho, e o repertório vai mudando conforme a
receita. Se for um prato italiano, ouço música italiana; se for um prato
francês, ouço Edith Piaf”, conta o chef.
E não para por aí: “Também cozinho cantando muito. O pessoal que trabalha
comigo morre de rir”.
É dessa eclética mistura de
estilos que vem a escolha da “bolacha” da vez. Rattle and Hum, do U2, lançado em 1988, foi marcante na vida de
Guga. “Estava começando a tocar violão e foi o primeiro disco de Rock que ouvi
de verdade. Era um disco duplo e fui da primeira até a última faixa dos dois
sem parar”, lembra o chef, como se
estivesse revivendo aquela sensação. “Esse disco traz toda aquela coisa musical
do Harlem, tem inclusive a música Angel
of Harlem, várias faixas têm metais. Minha reação foi de ter descoberto o
que eu queria fazer.”
A riqueza musical é mesmo um dos
diferenciais de Rattle and Hum, o
sexto disco da banda irlandesa, que traz gravações ao vivo e em estúdio. A
faixa de abertura, por exemplo, é um cover dos Beatles com Helter Skelter. Há ainda a majestosa participação de B. B. King e
sua inseparável guitarra Lucille em When
Love Comes to Town. Embora o Guga não tenha comentado, certamente adorou
essa parceria. “Gosto muito de Blues e de Jazz”, afirma. Aliás, o apurado gosto
musical do chef não é obra do acaso.
“Minha família gosta muito de Bossa Nova, então sempre curti. Ouvia Baden
Powell, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, essa galera toda.”
Guga Rocha parece mesmo ser
alguém muito grato por todas suas experiências, boas ou não, uma daquelas
pessoas que acreditam ser a vida o bem maior. Seu bom humor é contagiante,
assim como sua preocupação com o próximo. A conversa com o Vitrola já rumava
para o final quando se ouviu um forte barulho de vidro quebrando no local em
que estávamos. De imediato, o chef fez uma piada, mas ao perceber que alguém poderia
ter se ferido, pediu licença, interrompeu a entrevista e correu para socorrer.
Embora devesse ser a regra, a atitude não deixa de chamar a atenção nos dias
atuais em que o próximo parece estar cada vez mais distante.
Vai aí o vídeo de uma das
faixas inéditas de Rattle and Hum, a
animadíssima Desire.