domingo, 10 de abril de 2016

A gastronomia musical com um toque de U2

Caneta e papel na mão que lá vai uma receita de sucesso, seja para elaborar um prato, seja para escrever uma canção. Basta saber o quê combina com o quê, em quanto tempo e em qual intensidade. Esta é maneira como o chef Guga Rocha enxerga a similaridade entre música e gastronomia. “Tenho essa teoria há muito tempo. O pessoal até me acha meio maluco, mas é verdade”, comenta. Ao menos aqui no Vitrola, não vemos maluquice alguma. Inclusive, compartilhamos de outra afirmação do Guga: “Sem música e sem comida não dá para viver”. Só é preciso lembrar que nos dois casos a resposta da plateia é imediata, positiva ou não. Mas, e daí? Quem sobe ao palco é mesmo para ver no que vai dar.

E foi assim mesmo que o Guga encarou os desafios profissionais. Primeiro, tentou o sucesso com o Rock’n’Roll. “Pode procurar na Internet: Banda Arcanjo MTV. Vai me encontrar lá todo cabeludo”, sugere o chef, que saiu de Maceió para garimpar oportunidades em um cenário mais promissor, a apocalíptica megalópole capital paulista. Mas como diz um dos clássicos do AC DC: “It’s a long way to the top if you wanna Rock’n’Roll”. As contas não esperariam os holofotes, então foi preciso tomar providências. O emprego como ajudante de cozinha veio bem a calhar.

A coisa toda já estava no DNA, desde sua avó confeiteira. Com a dedicação ao aprendizado, tanto acadêmico como de outras maneiras, os resultados começaram a aparecer. O talento brilhou na gastronomia. Mesmo sem a banda, a música seguiu acompanhando sua nova carreira. “Escuto muita música enquanto cozinho, e o repertório vai mudando conforme a receita. Se for um prato italiano, ouço música italiana; se for um prato francês, ouço Edith Piaf”, conta o chef. E não para por aí: “Também cozinho cantando muito. O pessoal que trabalha comigo morre de rir”.

É dessa eclética mistura de estilos que vem a escolha da “bolacha” da vez. Rattle and Hum, do U2, lançado em 1988, foi marcante na vida de Guga. “Estava começando a tocar violão e foi o primeiro disco de Rock que ouvi de verdade. Era um disco duplo e fui da primeira até a última faixa dos dois sem parar”, lembra o chef, como se estivesse revivendo aquela sensação. “Esse disco traz toda aquela coisa musical do Harlem, tem inclusive a música Angel of Harlem, várias faixas têm metais. Minha reação foi de ter descoberto o que eu queria fazer.”

A riqueza musical é mesmo um dos diferenciais de Rattle and Hum, o sexto disco da banda irlandesa, que traz gravações ao vivo e em estúdio. A faixa de abertura, por exemplo, é um cover dos Beatles com Helter Skelter. Há ainda a majestosa participação de B. B. King e sua inseparável guitarra Lucille em When Love Comes to Town. Embora o Guga não tenha comentado, certamente adorou essa parceria. “Gosto muito de Blues e de Jazz”, afirma. Aliás, o apurado gosto musical do chef não é obra do acaso. “Minha família gosta muito de Bossa Nova, então sempre curti. Ouvia Baden Powell, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, essa galera toda.”

Guga Rocha parece mesmo ser alguém muito grato por todas suas experiências, boas ou não, uma daquelas pessoas que acreditam ser a vida o bem maior. Seu bom humor é contagiante, assim como sua preocupação com o próximo. A conversa com o Vitrola já rumava para o final quando se ouviu um forte barulho de vidro quebrando no local em que estávamos. De imediato, o chef fez uma piada, mas ao perceber que alguém poderia ter se ferido, pediu licença, interrompeu a entrevista e correu para socorrer. Embora devesse ser a regra, a atitude não deixa de chamar a atenção nos dias atuais em que o próximo parece estar cada vez mais distante.

Vai aí o vídeo de uma das faixas inéditas de Rattle and Hum, a animadíssima Desire.



sábado, 2 de abril de 2016

Chora, viola! Mas é de felicidade

Esta semana tem repeteco no Vitrola. Poderia até ser surpresa, mas a “bolacha” que volta à cena tem presença garantida – quase obrigatória – na lista das mais tocadas do universo Rock’n’Roll. Trata-se de Road to Ruin, dos Ramones, lançado em 1978 pela Sire Records. A faixa que mais se destaca entre as 12 desse disco é I Wanna Be Sedated, tanto que até rendeu um single no ano seguinte. Também chama a atenção Needles and Pins, a única música que não é deles. “É uma baladinha, diferente do que eles faziam. Algo meio mela-cueca”, comenta Zé Helder, violeiro do Matuto Moderno e do Moda de Rock.

Nem pense em deboche. Zé Helder fala com muito carinho de Road to Ruin, o  primeiro disco que comprou, lá em meados de 1989, quando ouvia muito Punk Rock. Pode-se dizer que foi um achado, pois àquela época dificilmente aparecia algo do estilo em Itajubá, a cidade do sul de Minas Gerais onde Zé morava. “O que tinha era muita fita cassete que o amigo de algum amigo ou um primo levava de São Paulo para lá. Foi assim que acabei conhecendo Kólera e Olho Seco, por exemplo.” O violeiro lembra bem do momento em que se deparou com o Road to Ruin. “Encontrei o vinil na loja e não tinha grana comigo. Só pude voltar lá no dia seguinte, rezando para ninguém tê-lo comprado. Me lembro até do cheiro do disco”, conta o violeiro, que tem a bolacha até hoje.    

Quem acompanha o Vitrola já sacou que o Zé Helder é o parceiro do Ricardo Vignini – que também já passou por aqui – no impressionante trabalho de tocar clássicos do Rock na viola. Justiça seja feita, os caras fazem muito mais do que reproduzir tais músicas, recriam esses sons com novos arranjos para esse instrumento tão particular. “A gente se preocupa em manter o espírito do Rock’n’Roll sem deixar de tocar viola, que é muito rica de ritmo, de mão direita. Bom, no caso do Ricardo, de mão esquerda também”, comenta Zé em tom de brincadeira, lembrando que seu parceiro é canhoto.

Mas a história do Zé com a música começa bem antes de ele se tornar íntimo dos Ramones e da viola. Ainda menino, em Cachoeira de Minas, sua cidade natal, aprendeu a tocar clarinete na Sociedade Musical Eduardo Tenório. As aulas eram coisa séria, com leitura de partitura, solfejo e tudo mais. Rolou até turnê. Bem, ao menos deve ter sido essa a sensação para um garoto de dez anos ao viajar cerca de 60 quilômetros, sem a companhia dos pais, para tocar com diversas outras crianças na cidade vizinha.

Na adolescência, já morando em Itajubá, Zé passou a tocar contrabaixo, primeiro em uma banda que se dedicava a covers de Rock nacional dos anos 1980 e, depois, já um lance mais profissional com a Blues Corporation. O interesse em evoluir musicalmente só aumentou, e o então baixista foi estudar no Conservatório Estadual Juscelino Kubitscheck, na cidade de Pouso Alegre (também no sul de Minas). Curioso por natureza, buscou mais informações em livros e dicas com músicos mais experientes. Para completar, cursou Licenciatura Plena em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro.

Voltou às aulas no conservatório de Pouso Alegre, mas dessa vez como professor. Foi lá que assistiu a uma apresentação do Russo da Viola. “O cara estraçalhou!”, lembra Zé. Alguns dias depois encontrou o amigo Nikolaos, que lecionava guitarra, com uma viola na sala de aula. Não perdeu a oportunidade: tocou e se apaixonou. Em pouco tempo já havia comprado a sua. Para se ter ideia da dedicação, ele acabou criando um curso de viola em Pouso Alegre e outro no Conservatório Municipal de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde dá aulas duas vezes por semana.

Quem puder conferir o Zé Helder ao vivo, vale muito a pena. Inclusive, caso alguém esteja em Toronto, no Canadá, nos dias 2 e 3 de maio, o Matuto Moderno vai tocar na Canadian Music Week. “Também já arrumamos outros lugares por lá para mostrar nosso som”, diz o “cabôco” bão dimais da conta. Como ele trouxe os Ramones de volta ao Vitrola, vai aí o clipe de I Wanna Be Sedated.