domingo, 6 de dezembro de 2015

O primeiro solo a gente nunca esquece

Neste exato momento, estou tentando retomar – e manter – a prática de coisas que me dão muito prazer, mas que acabam sendo ofuscadas por uma rotina teoricamente prioritária. Escrever aqui no Vitrola é uma delas. Mas também há a prática de esportes com frequência e tocar guitarra. E se existe algo que me serve de incentivo agora é recordar ocasiões que me fizeram muito feliz. Fui buscar um exemplo lá na década de 1980.

A “bolacha” da vez é Slide it in, o sexto álbum do Whitesnake, gravado em 1983. E, neste caso, digo bolacha porque só tenho mesmo o disco em vinil. Foi um dos primeiros da minha modesta discoteca, e é um dos meus prediletos. Adoro o som dessa banda britânica, liderada pelo cabeludo David Coverdale, vocalista que influenciou gente a perder de vista. Tocaram no Brasil na primeira edição do Rock in Rio, em 1985. A faixa mais conhecida do LP é Love ain’t no stranger, mas a que me inspirou a escrever o texto foi Guilty of love.

Quando inventei essa história de querer tocar guitarra, passei por várias etapas até chegar a tirar um som de verdade. Veio a fase de sonhar em ter equipamentos, depois a de conseguir comprar a parafernalha (o que era possível à época: uma guitarra Jennifer, porém no modelo Explorer, e um amplificador Mikassin) e a de saber tocar um trecho de vários clássicos do Rock. Era uma mistura de animação e frustração. Num minuto você se acha o tal porque todos seus amigos vão reconhecer aquele riff e achar o máximo, e no outro até desiste de mostrar o que aprendeu porque é só aquilo mesmo.

Mas com determinação, persistência e um pouco de vergonha na cara, é possível evitar essa situação ridícula. Mais ainda quando se consegue tirar a música “de ouvido”. Parece papo de velho – e é mesmo –, mas naquela época era difícil conseguir tablaturas e não havia a acessibilidade da internet como vemos hoje. Para assistir aos vídeos das principais bandas, não se buscava no Google ou no Youtube, mas sim na Woodstock, famosa loja de discos que ficava no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.

Pois bem, equipado com a minha super Jennifer – comentei que ela era amarela? – e meu play do Whitesnake, achei meio que sem querer as primeiras notas de Guilty of love. Quando percebi que era de verdade, continuei buscando as outras notas, os acordes, a base toda e, finalmente, o solo. Foi quase um orgasmo musical. Eu mal acreditava. A parte triste é que estava sozinho no momento e não pude compartilhar com ninguém (como eu já disse, internet, celular, 3G, WhatsApp, essas paradas tecnológicas não faziam parte daquele período).

Mas claro que não demoraria a anunciar tamanha conquista. Uma das primeiras pessoas para quem mostrei a façanha foi meu camarada Paulo Borges, com quem eu fazia um som sempre que podia. Artista nato, ele cantava Coverdale com uma naturalidade impressionante, o que tornou ainda mais sensacional tirar a música juntos. Mais tarde, Guilty of love também fez parte do repertório de uma banda de covers em que tocamos, o Lapso da Razão (o nome era uma referência ao álbum A momentary lapse of reason, do Pink Floyd). Essas coisas são marcantes e nos ajudam a lembrar do que somos capazes.

Encontrei o vídeo promocional da Guilty of love. É muito bacana!