domingo, 31 de janeiro de 2016

Juntar a discoteca também é uma prova de amor

Quero fazer uma homenagem para fechar o mês de janeiro. Ontem, tive o prazer, a honra, a satisfação e diversas outras good vibrations de testemunhar e “apadrinhar” o casamento de dois grandes amigos. Depois de alguns anos um sendo acolhido pelo teto do outro e, mais recentemente, de já compartilharem o mesmo lar, Janaína Soares e Maurício Amaral – para mim, Jana e Mauzinho – oficializaram a parada. E o que isso tem a ver com o Vitrola? Tudo! O gosto musical de ambos é tão parecido, o que acredito ser uma benção para a vida a dois, que foi inevitável ter, entre vinis e CDs, algumas “bolachas” repetidas na união da discoteca. O que fazer? Doar uma das cópias? Qual deve ficar?

Matei minha curiosidade em uma conversa com Maurício, que me afirmou com a maior naturalidade: “Ficamos com todos os discos”. De maneira geral, quando um casal resolve formar um lar procura otimizar os espaços, mas isso não foi um problema para os dois na hora de juntar os discos. Há alguns dias a Janaína até mostrou em uma foto, via Facebook, quão organizada está a discoteca do casal. Ficou bacana, mas talvez tenha sido apenas a pressão de ter o lar todo em ordem às vésperas do casório. Talvez não.

Os pombinhos se conheceram e se aproximaram graças ao Heavy Metal. São fãs de carteirinha do estilo musical, com um vasto currículo de idas a shows de bandas tanto brazucas quanto gringas. No caso de Maurício, o histórico passa também por palcos e estúdios, pois desde a adolescência tem uma fervorosa relação de amor com suas guitarras. É integrante do Anthares (entrou em 1991), importante nome do Metal paulistano dos anos 1980, e do Megaforce, que também surgiu naquela década. Reza a lenda que as primeiras centelhas do romance até tenham surgido como encantamento da fã pelo rock star.

Voltando às bolachas, a dualidade foi percebida logo que começaram a namorar. Mas Maurício conta jamais ter pensado em como seria se um dia viessem a se casar. “Cara, nunca cogitei a possibilidade de me desfazer dos discos, pois são muito preciosos. E acredito que a Jana sempre pensou da mesma forma”, diz o meu camarada guitarrista. Entre os exemplares repetidos, há nomes como Iron Maiden, Van Halen, Accept e Exumer.

Destaque para Hell Awaits, segundo disco de estúdio do Slayer, banda norte-americana de Thrash Metal. Lançado em 1985, pela Metal Blade Records. De romântico, o Hell Awaits não tem nada, muito pelo contrário, mas é meio que um xodó do casal. Assim como o Slayer está entre as bandas preferidas de ambos. Confesso que, do estilo, é uma das que mais gosto também. Inclusive, fui com a Janaína a um dos shows do grupo em São Paulo. Na época, o Maurício morava em Macaé (RJ) e não pode nos acompanhar, pois a apresentação foi no meio da semana. Mas não deixou por menos e também foi curtir um som ao vivo: havia uma apresentação da banda 14 Bis lá em Macaé.

A vida é mesmo uma constante trilha sonora. E quando temos grandes amizades para enriquecer esse acervo musical, é ainda melhor. Para celebrar a união desses meus amigos, escolhi um vídeo que faz referência a uma das paradas da lua-de-mel.



domingo, 24 de janeiro de 2016

Com o Robertinho de Recife o volume é sempre alto

A proposta do Vitrola Secrets é contar uma curiosidade sobre a discoteca de alguém. Nesta semana vale a exceção. Quem conversou com o Vitrola foi Robertinho de Recife, um dos principais nomes do Brasil quando o assunto é guitarristas, que falou sobre um disco importantíssimo em sua carreira, o Metal Mania. A “bolacha” foi gravada em 1984, pela RCA, e também marcou a história do Heavy Metal nacional. A entrevista, que aconteceu no camarim do Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP), mais parecia um bom bate-papo de boteco – só faltaram as cervejas geladas.

O que não faltou foi gargalhada, pois Robertinho é muito bem-humorado. Mesmo ao lembrar das dificuldades para produzir o Metal Mania. “As gravadoras não acreditavam no Metal, ainda mais brasileiro. Insisti com a RCA que estava fazendo sucesso, as pessoas cantavam as músicas, ia dar certo. A reposta foi que ‘aquilo’ não tocaria nas rádios”, relata. Não fosse o respeito profissional que já havia conquistado na década de 1980, teria sido ainda mais complicado.

“Mas eles tinham uma proposta”, diz Robertinho. "Na verdade, era uma condição." O diretor artístico da gravadora aceitaria o Metal Mania caso o guitarrista participasse de outro projeto: gravar com o grupo infantil Trem da Alegria a música É de Chocolate!. Robertinho ouviu a música e sua reação não foi das melhores: “Essa música é uma meeeeeerda! De quem é isso?”. Para sua surpresa, o próprio diretor artístico em questão era um dos autores. Apesar da saia-justa, ficou tudo bem e Robertinho cumpriu sua parte no acordo. É de Chocolate virou hit e ainda rendeu disco de platina em poucas semanas.

Era hora da diversão. Só que não. As gravações de Metal Mania aconteceram em um estúdio da Som Livre. Com os amplificadores Marshall do Robertinho a todo vapor, o som acabou vazando para o andar de cima e incomodou a “realeza”. Roberto Carlos também estava gravando por lá. “No primeiro dia já vieram dizer que deveríamos ir para outro estúdio ou esperar que o Roberto terminasse as gravações dele”, conta Robertinho, que bateu o pé e continuou por ali.

Um técnico inglês que trabalhava na gravadora sugeriu a utilização de cabines para proteger o som. Assim foi feito. “Ficou tudo abafado! Não se grava Heavy Metal desse jeito. Imagina a bateria toda abafada”, reclama – com razão – Robertinho. Como nada é tão ruim que não possa piorar, aquilo tudo não foi suficiente e ainda tiveram que baixar o volume para continuar. “Foi um horror!”

Apesar dos contratempos, o vinil foi para as ruas e fez muito sucesso. Robertinho era um guitarrista muito arrojado para aquela época, “domava” o instrumento como poucos encantando um público que costuma ser muito exigente. A técnica apurada e o virtuosismo levaram o músico a diversas conquistas. Tocou, por exemplo, com Gloria Estefan, no Miami Sound Machine, e estourou nas paradas nacionais com o grupo Yahoo e a música Mordida de Amor (uma versão de Love Bites, do Def Leppard), entre outras. No final de 2014, com a banda Metal Mania renovada, gravou Back for More pela Sony Music. Em 2015, o retorno aos palcos o encheu de energia para continuar tocando com em alto e bom som.

Como não poderia deixar de ser, veio a pergunta sobre outro assunto marcante na vida de Robertinho: “E Baby Doll de Nylon?”. A música, que é fruto de uma parceria com Caetano Veloso e está no disco Robertinho do Mundo (Ariola, 1983), é um sucesso no Youtube. A forma como a composição surgiu não é novidade, mas ouvir o próprio Robertinho contando não tem preço. Ele resume como Baby Doll o tem acompanhado por todos os lugares. “Recentemente, fomos tocar em um festival de Metal em Recife e lá pelas tantas parte da plateia pediu para tocarmos Baby Doll. Achei que era de sacanagem, mas era sério. Quando disse que atenderíamos ao pedido, veio todo mundo para a frente do palco. É uma coisa impressionante!”

No vídeo abaixo, um pouco do talento de Robertinho de Recife com uma das músicas do Back for More.


domingo, 17 de janeiro de 2016

Os pais podem se assustar com o que os filhos ouvem

Na última quinta-feira tive o prazer de conversar, por telefone, com Luedji Luna, uma jovem artista de Salvador-BA que escolheu a cidade de São Paulo como plataforma de projeção para seu trabalho. Ela é cantora, compositora e dona de uma voz linda, suave e cativante. E tem ótimo senso de humor. Suas canções são um reflexo de sua voz, mas toda essa doçura também traz mensagens poderosas. Fiquei impressionado, por exemplo, com a seguinte frase de “Batom”, música de sua autoria: “A vontade reprimida é a moradia da loucura”. Luedji integra o casting da Jazz House, empresa especializada em assessoria e produção de músicos e que está prestes a se tornar também um selo.

Tomei o cuidado de fazer toda essa descrição para poder passar uma ideia mais clara da minha surpresa ao perguntar sobre qual “bolacha” falaríamos. Disse a Luedji que buscava alguma história curiosa ou engraçada, ou as duas coisas. Enquanto conversávamos ela fez sua escolha: “Toxicity”, do System of a Down. Pensei comigo: “Ela está de brincadeira!”. A banda californiana é uma paulada, nada tem a ver com a música de Luedji. Veio a explicação: era um dos sons que ela mais ouvia na adolescência.

“Toxicity” é o segundo disco do System, gravado em 2011. Entre as 14 faixas está “Chop Suey”, uma das mais conhecidas da banda. Os caras tem um som diferente. A mistura de velocidade e distorção por vezes lembra uma metralhadora. Ao mesmo tempo, trazem melodias surpreendentes, algo que sempre atraiu Luedji. “A banda é orquestral, o vocalista tem uma voz de ópera. Das bandas de Rock que ouvia era a que eu mais gostava”, comenta. Os pais de Luedji sabiam dessa preferência e resolveram presenteá-la com o CD no Natal. Pretendiam fazer uma surpresa, e foram surpreendidos.

Luedji estava em seu quarto e os pais colocaram a “bolacha” para tocar em outro lugar da casa. A ideia era que o som a levasse à descoberta do presente. Com o volume no talo e a caixa de ferramentas aberta, “Prison Song”, a faixa que abre o disco, causou um pandemônio. O sorriso da adolescente brilhou assim que percebeu o petardo dominando a casa. Já seus pais estavam desesperados tentando abaixar o volume e entender o que era aquilo. “Filha, jamais imaginaríamos que escutasse essas coisas”, disseram apavorados. Não pude conter as gargalhadas ao ouvir a narração de tal episódio e, claro, prontamente me identifiquei (meus pais também não entenderiam a razão de eu ouvir Mercyful Fate).

O Rock’n’Roll rendeu bem mais do que uma engraça história natalina para a vida de Luedji. “O Rock é um mosquitinho que quando te pica marca para sempre. E o que mais eu trouxe dessa praia para o meu trabalho é a atitude, o fato de estar no palco total e genuinamente entregue, sem caras e bocas.” Ouvir uma declaração dessas de uma cantora de Música Popular Brasileira é sensacional. Também acredito que o Rock’n’Roll vai muito além do estilo musical, é muito atitude.

Essa postura já acompanha Luedji desde quando seus pais escolheram seu nome. Eles integravam uma geração de militantes do movimento negro na década de 1970. Uma das formas de resgatar o valor de sua raça era dar a seus filhos nomes de origem africana. Já o Luna surgiu na adolescência e completou o nome artístico.

Para quem quiser conhecer um pouco do trabalho de Luedji, ao vivo, a cantora estará entre os músicos da Jazz House que se apresentarão no Bourbon Street, em São Paulo, no dia 21 dejaneiro, a partir das 22h. E para saber o que assustou os pais dela, vai aí um vídeo de “Prison Song”.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O legado que o Jimmy Page deixou na Freguesia do Ó

Neste meu primeiro post de 2016 a “bolacha” vem em pacote: Led Zeppelin Remasters. Lançada em 1990, essa coletânea traz boa parte – ou uma parte muito boa – da discografia do Led Zeppelin, banda britânica o final da década de 1960 que está na cabeceira de praticamente todo mundo que é fã do bom e velho Rock’n’Roll. Além de contribuírem para o abandono global do hábito de cortar os cabelos, Jimmy Page, John Bonham, John Paul Jones e Robert Plant inspiraram uma penca de gente a tocar algum instrumento musical. Pudera, o som dos caras é único e sensacional.

Pois bem, Sir Jimmy Page, o mago da guitarra do Led, também conquistou súditos pela Freguesia do Ó, na Zona Norte da cidade de São Paulo, região onde passei mais da metade da minha vida. Mas a discoteca da vez é a de Guilherme Spilack. O cabra ficou hipnotizado ao ouvir o Remasters que, justiça seja feita, pertencia ao pai dele. Foi ali pela metade dos anos 1990 e sua família ainda comemorava a compra de um aparelho para tocar CDs. Segundo ele, foi seu primeiro contato com alguma coisa de Rock’n’Roll. A partir dali, sua vida jamais seria a mesma. “Quando ouvi aquele som pensei: é isso que quero ser!”

E não é que ele levou a sério esse negócio de ser “Rock Star”? Guilherme se tornou um guitarrista de mãos cheias. Influenciado pelos riffs e solos de Jimmy Page, buscou conhecimento, passou a estudar, praticar muito e a investir em equipamentos de qualidade. Hoje, seus principais trabalhos são com a Children of the Beast, banda cover do Iron Maiden na qual ele faz as vezes do Dave Murray, e a StringBreaker and the StuffBreakers, um trio que faz Rock instrumental na linha mais anos 1970. Dia desses contarei aqui uma boa e divertida história sobre o disco gravado pela StringBreaker.

Guilherme também é professor, como grande parte dos guitarristas brasileiros, e produtor fonográfico, algo que imagino não ser tão comum na carreira de tantos músicos. Até pedi que me explicasse melhor do que se trata. A atuação é ampla, mas a base da missão desse profissional é olhar como um todo o trabalho do disco de uma banda ou um músico e dar o melhor direcionamento até a gravação final. Me identifiquei, pois é semelhante ao que faço como editor de uma publicação.

Parte do legado de Jimmy Page, a Gibson Les Paul ganhou a preferência entre os instrumentos de Guilherme. “É uma guitarra icônica, com som agressivo, mas ao mesmo uma lady, por causa de detalhes como as linhas, as curvas e os frisos”, comenta ele, enamorado. A tradicional Fender Strato também é sua companheira: “Ela é mais versátil e tem o som mais limpo”.

Conheci Guilherme faz pouco tempo, por intermédio de um amigo em comum, o Marco “Lelo” Espindula (que vai me ajudar a trazer muita gente bacana para cá). Após ouvir – e contar – a história do Guilherme, agradeço à vitrola da família Spilack, pois além de aproximá-los ainda abriu o caminho para surgir mais música boa.


Para celebrar essa história toda, escolhi Black Dog, uma das faixas mais tocadas do Led Zeppelin, principalmente por quem gosta de guitarra. Let’s rock!