sábado, 22 de setembro de 2012

Música serve pra isso


Trabalhar o bom humor como elemento musical não é para qualquer um, ou quaisquer dois. Por isso gosto tanto de André Abujamra (sim, o filho do provocador Antonio “Ravengar” Abujamra) e Maurício Pereira, também conhecidos como Os Mulheres Negras. A dupla surgiu nos anos 1980 e se dizia a menor big band do planeta. Tal denominação só pode vir de gente com alguma artéria humorística. Adoro essa parte! Mas o melhor mesmo é a qualidade musical e a incontrolável necessidade de inovar.

Na minha vitrola, tenho o segundo álbum dos Mulheres, o Música Serve Pra Isso, lançado em 1990. A compra do CD foi como a de muitos outros, sem conhecer as faixas mas certo de que não me arrependeria.

A primeira vez que vi os caras ao vivo foi no vão do MASP, na programação do Som do Meio-Dia, uma série de apresentações musicais gratuitas que tornavam mais interessante a hora do almoço na Av. Paulista. Assisti ao show com um amigo, o Gerê. Ele entrava no trabalho às 13h, a alguns quarteirões dali, e eu estava desempregado. Era o divertimento perfeito, pois minha disponibilidade de grana era inversamente proporcional à de tempo.

Era inevitável se perguntar: Como só dois caras vestindo roupas engraçadas (um sobretudo e um chapeuzinho de palha) conseguem fazer tanto som em cima desse palco? Tinha de tudo: guitarra distorcida, metaleira, música regional, ponto de umbanda, versões, uma loucura! Maurício Pereira cantava e tocava os instrumentos de sopro, principalmente saxofone. Abujamra era o multifuncional, pois além de dividir os vocais e tocar guitarra, comandava tudo o que tinha de som eletrônico: baixo, bateria e efeitos sonoros especiais. Em Monstros Japoneses (está no Música Serve Pra Isso), Abujamra simulava um canhão com o braço da guitarra e, à ordem de “Fogo!”, disparava contra o público.

Tenho uma história cômica de quando vi o Mulheres no extinto Aeroanta, casa importante do cenário musical paulistano. Como cheguei um pouco cedo ao local, havia várias mesas disponíveis. Uma garçonete se aproximou e perguntou se eu esperava mais alguém, mas estava sozinho, como em diversos outros shows. Então ela sugeriu uma mesa de uma pessoa só (?). Achei estranho, mas aceitei a sugestão. E não é que o lugar, um canto de poltrona, só tinha espaço para uma pessoa? A garota com quem eu namorava na época certamente não acredita nisso até hoje!

John, a quinta faixa do Música Serve Pra Isso, foi a mais tocada na época do lançamento do disco. Com uma pegada de hard rock, ficou bastante conhecida pelo trecho em que Abujamra canta, com uma voz rasgada característica de Rock’n’Roll, a seguinte frase: “Ai, meu Deus do céu! Ai, minha Virgem Maria!”. A música também tem pegadinha, pois começa duas vezes. Pena que não dá para conferir neste vídeo recente que encontrei da dupla dinâmica no Estúdio Showlivre. 


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Como assim, Chico e Bethânia? Cadê o Celso?


Alguém acredita que comprar um disco pode ser, ao mesmo tempo, prazeroso, surpreendente, frustrante e satisfatório? Pois já aconteceu comigo. E decidi contar essa história porque neste dia 6 completa um mês que morreu Celso Ricardo Furtado de Carvalho, o grande guitarrista Celso Blues Boy. Confesso que apesar de toda a admiração que tenho por ele, ainda não está na minha vitrola. Mas era para estar!

Em mais uma das minhas muitas garimpagens pela área de CDs de uma grande e antiga loja de departamentos, me deparei com uma daquelas promoções imperdíveis. Era uma coletânea do Celso Blues Boy – e ao vivo! – com um precinho bem camarada. Só pensava em chegar logo em casa, ligar o som e aumentar o volume, afinal de contas, “isso aí é Rock’n’Roll!”.

Após a inevitável briga com aquela “bendita” embalagem plástica do CD (por que tem de ser tão difícil, hein?), abri a caixinha e... Cadê o Celso? Era Chico Buarque e Maria Bethânia! Imediatamente pensei em voltar à loja e fazer a troca. Mas aí, por curiosidade, observei melhor o objeto de minha indignação e tive outra surpresa: eu já conhecia aquele disco desde a adolescência! Tratava-se de um show magnífico gravado em 1975, no Canecão, no Rio de Janeiro. As boas lembranças me fizeram botar pra tocar. Está na minha vitrola até hoje.

Chico e Bethânia têm um jeito todo especial de cantar e encantar. O show é um constante e envolvente diálogo entre ambos. A primeira das 18 faixas que compõem o disco é Olé, Olá, que começa apenas com o Chico. Embora ambos sejam equivalentes, quando a Bethânia entra, parece que o espetáculo começou de novo. Ela é impressionante. Nem preciso falar nada sobre sua voz e sua interpretação. Na faixa 3, com um minuto e quatro segundos, há literalmente um diálogo que dá nome à música: Sinal Fechado. É bem uma conversinha rápida de motoristas que se emparelham no sinal vermelho, mas com a peculiar sofisticação da boa MPB.

Não vou comentar todas as faixas, mas selecionei algumas que me impressionam mais, como a quarta e a quinta, Sem Açúcar e Com Açúcar E Com Afeto. Bem coladinhas, essas músicas parecem estar se completando ou em alguns momentos se contrapondo. É um jogo de palavras dinâmico contando a rotina de dois relacionamentos. Para ficar mais provocante,  os intérpretes invertem o gênero da narração, com o Chico cantando o que seria uma mulher e Bethânia, o que seria um homem. Bom exemplo está em Camisola do Dia, na faixa cinco (vale prestar atenção ao violino bem no finalzinho).

Gosto muito de Flor Da Idade, principalmente pelo andamento da música. É cheia de vida, e vai ganhando uma velocidade entusiasmante. Sem contar que passa todo aquele clima dos grandes festivais da MPB. E o momento “Toca Raul” na faixa 15? A Bethânia bota a força da sua voz a trabalho do Roc’n’Roll, apoiada por uma rica orquestra e uma quase discreta guitarra, não fosse a característica distorção dos anos 70, aquele som de psicodelismo. É de fato uma saborosa salada de muitos temperos. Vale a pena. Agora, preciso fazer justiça e complementar minha vitrola com o Celso também.

Infelizmente, não encontrei vídeos desse show de 1975, mas achei outro encontro de Chico e Bethânia cantando Sem Fantasia, que não comentei, mas poderão ver por si a beleza disso tudo.