domingo, 27 de novembro de 2016

E agora, José?

Quem trabalha com música sempre tem uma boa história sobre “saia justa”, algumas vezes divertida, outras complicada, mas na maioria delas interessante. Foi assim com o José Neto, violeiro, produtor musical e dono da Audio Multi Solutions (AMS), empresa que atua em diversas áreas: publicidade, cinema, teatro, documentários, além de arranjos e direção de projetos fonográficos para cantores e instrumentistas. Em 2005, foi convidado para mixar um disco Pop no Rio de Janeiro, sua cidade natal, em um estúdio que não conhecia bem. Achou por bem já chegar com uma referência na manga, algo que impressionasse.

Para dar um tiro certeiro, Zé Neto apostou em um nome consagrado – e bota consagrado nisso. Sua opção foi nada mais, nada menos que Quincy Jones, o produtor musical de “Thriller”, a “bolacha” mais vendida de todos os tempos e que colocou Michael Jackson no topo de todas as paradas. Jones foi indicado 79 vezes ao Grammy, o Oscar do universo da música, e premiado em 27 delas. O cabra é porreta mesmo! Para se ter ideia, logo que se meteu também no cinema, enxergou em Oprah Winfrey, lá em meados dos anos 1980, a pessoa certa para interpretar a personagem Sofia no filme “A Cor Púrpura”, um clássico sobre a história do racismo nos Estados Unidos. Na época, Oprah era uma jovem repórter de TV.

Como se o currículo de Jones não bastasse, Zé Neto também escolheu a dedo “Back on the Block”, disco lançado em 1989, com 14 faixas, que pode ser chamado de constelação, por reunir tantas estrelas – e de tão diversos estilos e gerações. Até Ivan Lins está nessa, com a gravação de “Setembro”. “É um disco moderno para a época, revolucionário, que tem a participação de Ella Fitzgerald, John MacLaughlin, Steve Wonder, entre tantos outros. É maravilhoso!”, comenta entusiasmado Zé Neto. Essa foi, provavelmente, a última gravação em estúdio de Ella e de Sarah Vaughan, lendas do Jazz.

O disco também tem Ray Charles, George Benson, Steve Lukather, Al Jarreau, Take 6, Chaka Khan, Bobby McFerrin, Ice-T, Kool Moe Dee, Barry White e por aí vai. Imagina o prestígio do Jones para juntar tanta gente de primeira. “Quando mostrei o CD para o pessoal, logo veio o comentário: Pô, esse disco é da pesada!”, lembra Zé Neto. Mas pesada mesmo ficou a situação quando abriu a caixa daquela obra-prima e trouxe à tona a tal saia justa: no lugar do “Back on the Block” havia um CD com Alcione (grande Marrom!) e Belo. Dá para imaginar o clima de “ué?!” que ficou no ar.

Passada a surpresa e feito o pedido de desculpas, o trabalho seguiu. Já a irritação de Zé Neto demorou um pouco mais para se dissipar, pois já imaginava como aquela troca havia acontecido. Mas como o objetivo do Vitrola não é semear discórdia, deixemos de lado essa parte da história e vamos em frente com Quincy Jones. Segue aí um pedacinho do “Back on the Block”, a faixa romântica “The Secret Garden”.





domingo, 20 de novembro de 2016

O disco que pedi a Deus!

Incluir uma “bolacha” nas preces é quase um flerte com a heresia, mas alguns discos são tão valiosos – em vários sentidos – que podem até ser considerados um presente divino. Que o diga Rogério Sarralheiro, produtor musical e vocalista do Templo Soul, uma das bandas pioneiras de Black Gospel no Brasil. Para ajudar a visualizar melhor o estilo do grupo, imagine o Earth, Wind and Fire: aquele groove envolvente dos anos 1970, o brilho da metaleira, o peso do baixo e da bateria e os acordes “funkeados” da guitarra. Dá até vontade de dançar! A única diferença é que as letras dos caras são mensagens de louvor a Deus. Sem qualquer exagero, o som do Templo Soul é uma festa Gospel.

Voltemos à história do Rogério. Como boa parte dos garotos apaixonados por música e que para ter sua grana começam a ralar bem cedo, quando ele tinha ali por volta dos 16 ou 17 anos deixava quase todo seu salário em lojas de discos. “Eu trabalhava no centrão de São Paulo (a capital paulista), próximo à Avenida Angélica, e frequentava diversos sebos ali da região”, lembra o cantor. Em uma de suas muitas visitas a esses pequenos pedacinhos do “paraíso”, encontrou algo que se tornaria objeto de desejo.

A joia em questão era uma coletânea do The Commodores. “Tinha um cara comprando o disco e eu fiquei ali pirando enquanto ele ouvia as faixas. O play era maravilhoso!”, lembra Rogério, que só pensou em uma coisa: “Meu Deus do céu, preciso ter esse disco”. Mas como tudo tem um preço nessa vida, lá foi o adolescente fascinado checar quanto custava aquela obra-prima. Já dá para imaginar que a informação do vendedor não foi animadora. “Era muuuuuito caro. Para comprar um disco naquela época, às vezes ia o salário do mês.” Em se tratando de Commodores, valia a pena, pois é um dos maiores nomes mundiais da Black Music.

O grupo nasceu no final dos anos 1960 e logo no comecinho de carreira abriu shows para os Jackson Five. A história de amor de muita gente foi marcada por sucessos da banda como “Easy”, “Three Times a Lady”, “Still” e “Just to Be Close to You”. Essa veia amorosa é uma forte característica do vocalista, pianista e um dos principais integrantes: Sir Lionel Ritchie. O “Sir” foi por nossa conta. Em 1980, os caras também gravaram “Jesus Is Love”. O Gospel e a Black Music sempre tiveram uma relação muito estreita, tanto que grandes estrelas de Funk, Soul, Blues e Rythm & Blues (R&B) surgiram nos conjuntos e corais das igrejas.

Quando se fala de Commodores, não há como terminar sem um final feliz. Hoje Rogério é um colecionador de vinis, e tem em seu acervo a preciosa coletânea que um dia esteve fora de seu alcance. “Quando encontrei o disco novamente, lembrei de toda aquela história, da falta de grana para comprar. Os bons discos eram em grande parte importados e caros, o que dificultava o acesso”, conta o vocalista, que não desperdiçou a nova oportunidade. “Esse disco é algo muito marcante e tem tudo a ver com o som que fazemos hoje”, diz, satisfeito.

Se é assim, vamos nessa! Sobe o som e pode se divertir com esse clipe de “Lady (You Bring Me Up)”, uma das faixas dançantes do The Commodores. 





domingo, 2 de outubro de 2016

Sabe aquela música do MacGyver?

Na década de 1980, uma das séries mais populares de televisão foi Profissão Perigo, que exibia as aventuras do agente secreto Angus MacGyver. Mesmo quem não viu o seriado já deve ter ouvido alguém ser chamado de MacGyver por tentar resolver um problema técnico com uma gambiarra supostamente espetacular. Não é para menos, pois o tal agente conseguia construir uma bomba com um chiclete, um clipe e um pedaço de fio. Por mais exagerada que pareça essa descrição das habilidades do rapaz, era bem por aí.

Mas não foram só as histórias do personagem que encantaram o público. A música de abertura da série aqui no Brasil despertou a curiosidade de muitos telespectarores, e foi exatamente dessa forma que descobriram o Rush, um dos maiores nomes mundiais do Rock Progressivo. É o caso do guitarrista Marcelo Barbosa, exímio instrumentista de Brasília (DF) que traz no currículo nomes de bandas como Khallice, Almah e Angra. Nesta última, foi convidado para ocupar o lugar de Kiko Loureiro, que hoje está no Megadeth (a banda de Dave Mustaine, um dos primeiros integrantes do Metallica).

Marcelo se tornou um grande fã do Rush. Mais que isso, tem respeito e idolatria pelo trio canadense. “Eles são incríveis. É uma banda tão autêntica e musicalmente tão coesa que mesmo quem não é fã respeita”, comenta. Como não poderia deixar de ser, o grupo está entre suas principais influências musicais. E é até bem provável que os caras do Rush se sentiriam lisonjeados ao saber disso, por conta do grande talento de Marcelo. Talvez Geddy Lee, o baixista e vocalista, um pouco menos.

Quando conheceu o Rush, Marcelo fez uma pequena confusão. “Eu ouvia aquela música do MacGyver e achava que era uma mulher cantando”, lembra ele, até meio constrangido. E continua: “Achava o máximo, pois o som era sensacional e ainda com uma ‘mina’ cantando. Até que um amigo que já conhecia a banda há mais tempo me corrigiu, e contou que aquela voz era na verdade do baixista”. O Marcelo merece um desconto, pois o Geddy Lee (que também é tecladista) tem mesmo uma voz mais aguda. E, convenhamos, quem nunca cometeu um engano assim?

O mais importante é como o guitarrista aproveitou essa influência. “Acho fundamental, como músico, colocar minha personalidade no que faço, ter autenticidade”, diz ele. “É isso que torna sua música uma assinatura, quem ouve sabe que é você.” O Rush é sem dúvida uma ótima referência nesse quesito, pois bastam poucos acordes para reconhecer suas músicas. Em alguns casos, poucas notas. Tom Sawyer é um bom exemplo.

Esse grande sucesso do Rush é a música que abre o álbum Moving Pictures, oitavo disco de estúdio da banda, lançado no início de 1981, e provavelmente o mais vendido. Qualquer uma das sete faixas dessa obra-prima pode ser considerada um grande sucesso, a exemplo de YYZ e Limelight. Vai aí uma gravação de Geddy Lee, Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria), veja se não dá para identificar logo nos primeiros segundos. 





terça-feira, 5 de julho de 2016

Até o Metallica já foi um ilustre desconhecido

No início dos anos 2000, um dos principais nomes do Heavy Metal internacional, o Metallica, passou a atrair os holofotes muito mais por conta de questões judiciais do que pela performance nos palcos ou por algum lançamento. A banda, que sempre teve uma legião de adolescentes entre os milhões de fãs pelo mundo, engrossava a queda de braço da indústria fonográfica exatamente com um jovem que aos 18 anos bolou uma forma de compartilhar músicas pela internet, deixando muita gente de cabelo em pé ou, em certos casos, sem cabelo.

A pesada treta entre o ícone do Metal e Shawn Fanning, criador do Napster, deixou claro que as coisas estavam mudando – e rápido – no cenário musical. Na verdade, continuavam a mudar. Exemplo de que o destino pode ser bem irônico, e até cômico, foi algo semelhante ao Napster que levou o Metallica a se popularizar entre os headbangers brasileiros. Na década de 1980, quando a banda surgiu, era por meio das fitas K-7, precursoras dos pen drives, que a rapaziada compartilhava o que havia de novo no front do som pesado.

Foi assim que, naquela época, muita gente soube que vinha por aí um tal de Kill ’Em All, o primeiro disco do Metallica. É o caso de Evandro Junior, baterista e um dos fundadores do Anthares, banda paulistana de Metal nascida em 1985. Junior também era um dos vários moleques de camiseta preta que batiam cartão (ninguém mais bate cartão, mas a expressão ainda é válida, não é?) na Woodstock Discos. A lendária loja do Vale do Anhangabaú, no centro velho de São Paulo, provavelmente reunia a maior concentração de cabeludos por metro quadrado da cidade.

Mas o primeiro encontro do Junior com o Metallica aconteceu quando a Woodstock ainda ficava na Rua José Bonifácio, também nas proximidades. “Era um espaço pequeno, na sobreloja de uma galeria. E tinha um japonês que ficava na entrada vendendo umas fitas de coisas que só tinha na gringa”, lembra. “Um dia ele me perguntou se eu conhecia Metallica e colocou para eu ouvir. Era uma porrada!”

A fita era uma mostra do que viria a ser o Kill ‘Em All e ainda com seguinte formação: James Hetifield (guitarra e voz), Lars Ulrich (bateria), Cliff Burton (baixo) e, tchanans!, Dave Mustaine (guitarra). Quem conhece a trajetória da banda sabe que essa é uma informação importante, pois Mustaine foi expulso da banda (mais de uma vez) devido às confusões com o próprio grupo. Digamos que ele era um tanto quanto esquentadinho demais. Quem aparece no encarte do disco é Kirk Hammett.

Empolgado com o som, Junior comprou a fita e correu para compartilhar. “Fui eu que apresentei o Metallica para o Walcir”, conta o batera todo orgulhoso, falando de Walcir Chalas, o dono da loja. Realmente, esse é um feito para se gabar, pois o fundador da Woodstock consagrou-se com um baita “garimpeiro” das novidades do Metal. Não era fácil surpreendê-lo. Quando Kill ‘Em All saiu, em julho de 1983, logo já estava também nas mãos de Walcir. 

Quem quiser conhecer um pouco da história desse bravo “guerreiro” do Metal, vale a pena assistir ao documentário Woodstock – Mais Que Uma Loja (disponível no Netflix). Muitos vão se surpreender com sua influência nesse cenário e um monte de marmanjo vai se emocionar ao lembrar do tempo em que não abria mão de visitar a loja ao menos uma vez por semana. 

Vai aí uma mostra do Metallica ao vivo com The Four Horsemen, uma das faixas mais marcantes do Kill ‘Em All. Agora, imagina essa paulada lá no início dos anos 1980. 



terça-feira, 28 de junho de 2016

O dia em que Jair Oliveira surpreendeu o Rei do Pop

Semana passada, mais precisamente no dia 25, fez sete anos que o mundo recebeu a triste notícia da morte de Michael Jackson, bem quando o astro se preparava para iniciar a turnê This Is It. Após tantas complicações na carreira e em sua vida particular, o público estava ansioso para vê-lo brilhar uma vez mais. Definitivamente, foi um baque. Aos milhões de fãs, ficaram os registros de sua obra; para alguns em especial, também a lembrança de ótimas histórias. Como a contada ao Vitrola Secrets por Jair Oliveira, multi-intrumentista, compositor, arranjador, intérprete e uma figura de extrema simpatia.

Entre os vinis que marcaram a vida – e certamente a carreira – de Jair está Bad, sétimo álbum de estúdio de Michael. Lançado em setembro 1987 pelas gravadoras Epic e CBS, trazia uma enorme expectativa, pois era o primeiro depois de Thriller, o disco mais vendido de todos os tempos (algo em torno de 65 milhões de cópias). “Comprei assim que saiu”, lembra Jair. Mas sua cópia mais valiosa ainda estava por vir. A CBS realizou um evento especial de lançamento do disco na Up&Down, uma famosa casa noturna da época, localizada nos Jardins, bairro nobre da cidade de São Paulo. Naquela festa, Jair ganhou uma versão estilizada de Bad. “Havia uma capa exclusiva, toda branca, com a logo da casa e o nome do Michael”.

No ano seguinte, Jair foi convidado para ver um show da turnê de Bad em Atlanta, nos Estados Unidos. Não teve dúvidas: levou seu disco disposto a conseguir um autógrafo do ídolo. Na correria da preparação para a viagem, acabou pegando aquele da Up&Down. Eis que a expectativa virou realidade e Jair teve acesso ao camarim de Michael. “Foi um encontro incrível. Mas só permitiam tirar fotos com ele se fossem feitas pelo fotógrafo oficial, que não estava lá naquele momento. O próprio Michael se ofereceu, então, para autografar meu disco.” Foi aí que veio a surpresa.

Como já era de se esperar, Michael estranhou a capa e comentou: “Diferente, né?”. Também perguntou o que era Up&Down. “Tentei explicar para ele, mas eu era muito moleque, não falava inglês direito e estava super nervoso. Não sei se o Michael entendeu, mas o fato é que assinou o disco e tenho essa raridade até hoje.”  A gente compreende, Jair. Quem nunca se viu meio sem jeito diante de alguém que muito admira? Por falar nisso, em breve traremos uma história hilária sobre esse tipo de situação.

Recentemente, Jair e sua irmã Luciana Mello, na companhia de Walmir Borges, gravaram uma homenagem ao Michael Jackson. O trio fez uma bela e descontraída interpretação de Human Nature. Quem estiver a fim de ver o Jair de perto no próximo final de semana, há duas opções. No sábado (2), às 14h, ele estará no Shopping Lar Center, na Zona Norte da cidade, com um show gratuito dos Grandes Pequeninos, projeto musical muito bacana criado por ele e sua esposa Tania Khalill e dedicado à criançadinha. No domingo (3), às 17h, tem o show Jair Oliveira 30, também gratuito, no Auditório Beethoven, em Campinas.

Para seguir nessa linha, fechamos com um vídeo da versão mirim do clipe de Bad.






domingo, 15 de maio de 2016

A ansiedade pode levar ao “paraíso”

Prestes a encarar o primeiro dia na nova escola, a garota de 11 anos está ansiosa e acorda bem mais cedo do que deveria. Preocupada com as horas ela corre para ligar a televisão e sintonizar no canal em que costumava assistir aos videoclipes, pois lá sempre aparece um reloginho. Assim que a imagem e, principalmente, o som aparecem, horas e minutos já não mais interessam. A curiosidade agora é para saber que música é aquela e quem são aqueles caras. A informação não vem e ela fica com medo de nunca mais ouvir ou ver a banda que tanto a surpreendeu. Mas identifica uma palavra recorrente nas imagens: Guns.

Se o parágrafo aí em cima parece fugir um pouco ao estilo do Vitrola, foi proposital. Foi só para passar a emoção da história que nos contou Isa Nielsen, a garota em questão, que entrava na adolescência já sendo fã do bom e velho Rock’n’Roll e de suas variáveis, como o Hard Rock e o Heavy Metal. E a música que a deixou tão entusiasmada naquela manhã era Paradise City, do Guns N’Roses. Toda essa influência explica um pouco o fato de Isa ter se tornado uma primorosa guitarrista.

Desta vez, foi a música que trouxe a “bolacha”. Paradise City é a sexta das 12 faixas de Appetite for Destruction, o cartão de visitas do Guns N’ Roses. Lançado em 1987, o disco deu uma chacoalhada no cenário do Hard Rock, que andava mesmo precisando de novidades. A dupla na linha de frente da banda inspirou uma legião de cabeludos mundo afora: Axl Rose, com sua voz rasgada e uma euforia contagiante, e Slash, com sua cartola e riffs de guitarra revigorantes. Prova disso é que Sweet Child O’Mine, o principal sucesso daquele disco, era quase obrigatória no set list das bandas cover de Rock.  

Por falar em bandas, Isa está há quatro anos entre as Musas do Metal, que acompanham o Detonator, personagem criado por Bruno Sutter (ex-Hermes & Renato) como uma caricatura dos vocalistas de Heavy Metal e que acabou ganhando vida própria. Mais recentemente, ela entrou para a Metal Mania, a banda do Robertinho de Recife (já entrevistado pelo Vitrola). Além de excepcional guitarrista, Robertinho é um músico exigente, que não abre mão da qualidade. Isa não está lá por acaso.

O interesse pela guitarra veio lá pelos 13 anos e em seguida, a primeira banda – só de garotas. “Mas eu não tocava bem e a outra guitarrista, que era um pouco melhor, até chamou um amigo para ensinar a gente. Acabei gostando muito dessa coisa de estudar”, conta Isa, que levou a sério essa parada e passou a ter aula com grandes músicos. A partir dali sua carreira profissional já estava definida. Mas para tocar como os guitarristas que a influenciaram, era preciso ralar muito. “A dedicação exclusiva à música não é fácil. Em alguns momentos você até sacrifica outras coisas.” Agora, pergunte a ela se há um pingo de arrependimento pela escolha...

Não resistimos à tentação de colocar Isa em uma “saia justa” e perguntamos quem são seus três guitarristas preferidos. “Pô, que difícil, hein?”, reagiu. Pô, Isa, é aí que está a graça da brincadeira. Mas ela acabou se saindo bem. Após falarmos sobre diversos nomes de peso no quesito “véio, esse toca demais”, ela destacou Yngwie Malmsteen e Jason Becker. “Ambos foram um grande incentivo para mim, pois são muito virtuosos. Tentar tocar suas músicas parecia tão difícil quanto desafiador”, comenta. As referências lhe fizeram muito bem.

Vai aí o clipe de Paradise City, para lembrar o som que marcou o Hard Rock nos anos 1990. Quem quiser, pode chacoalhar a cabeleira!



domingo, 8 de maio de 2016

Um boteco que reúne quatro décadas de boa música

Entre as coisas que mais gosto nesta vida está a companhia de bons amigos. Se for para celebrar, melhor ainda. Pois foi exatamente na comemoração do aniversário de uma grande amiga, a jornalista Nádia Andrade, que conheci um boteco – no melhor sentido da palavra – muito simpático e aconchegante no bairro de Pinheiros, na capital paulista. Em meio a uma região de diversos bares e botecos, o Bar do Julinho tem um diferencial muito bacana: o lugar respira boa música!

Não poderia ser de outra maneira. O dono do recinto é Julinho Camargo, cantor e violonista com 40 anos de experiência tocando na noite. Nascido em Tupaciguara, cidade que fica a pouco mais de 60 quilômetros de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, Julinho veio muito cedo para São Paulo. “Estou aqui desde sempre, me criei na cidade”, confirma o músico, que começou a tocar por volta dos 17 anos, participando dos festivais estudantis. Depois veio a fase mais profissional, tocando em bandas de baile e, na sequência, as apresentações na noite.

Como muita gente que seguiu essa trajetória, uma das influências mais importantes da Música Popular Brasileira é Djavan, uma referência para dez entre dez músicos que fazem MPB com voz e violão. E a “bolacha” do artista que mais marcou a carreira de Julinho foi Luz, gravado em Los Angeles, na Califórnia (Estados Unidos), e lançado em 1982. Embora já tocasse coisas do Djavan dos outros quatro discos, Luz fez jus ao nome. Surpreendente e ousado, o disco trazia uma envolvente e inovadora mescla de sons e estilos.

Além da música que dá nome ao disco, várias outras das dez faixas viraram sucessos que brilham até hoje, como Pétala, Açaí, Capim e Samurai. Esta última, inclusive, contou com a participação de Stevie Wonder, um dos maiores nomes da música mundial. É dele o solo de gaita que aparece na música. Segundo o próprio Djavan (em entrevista ao baterista Charles Gavin, no programa O Som do Vinil, do Canal Brasil), seu trabalho já havia sido apresentado a Wonder pelo produtor do disco, Ronnie Foster, o que facilitou a aproximação. Mas, cá entre nós, é muita moral!

Esse amor e esse respeito de Julinho pela (boa) música também estão na relação que mantém com os artistas que se apresentam em seu bar, sejam veteranos ou em início de carreira. “Quando a pessoa da casa é um músico com experiência de ter tocado na noite, a relação é outra. Antes de qualquer coisa, é uma relação de músico para músico. O lado comercial é importante, mas antes de qualquer coisa preservo a amizade e o respeito entre as pessoas”, comenta. Não é por acaso que o bar vai completar 18 anos.

Julinho acrescenta que sua experiência também favorece a performance dos músicos, pois estão seguros da retaguarda técnica. Ou seja, quando tocam em seu bar sabem que só precisam se preocupar em tocar e cantar, o resto ele garante. “Me dá uma satisfação muito grande ver o resultado positivo da apresentação de um amigo na minha casa”, afirma. O Bar do Julinho também é palco de projetos que abrem espaço para os artistas, sobretudo novos talentos, e dão luz à MPB.

Aí vai uma apresentação do Djavan cantando Samurai, mas sem o Stevie Wonder (uma pena!).



domingo, 10 de abril de 2016

A gastronomia musical com um toque de U2

Caneta e papel na mão que lá vai uma receita de sucesso, seja para elaborar um prato, seja para escrever uma canção. Basta saber o quê combina com o quê, em quanto tempo e em qual intensidade. Esta é maneira como o chef Guga Rocha enxerga a similaridade entre música e gastronomia. “Tenho essa teoria há muito tempo. O pessoal até me acha meio maluco, mas é verdade”, comenta. Ao menos aqui no Vitrola, não vemos maluquice alguma. Inclusive, compartilhamos de outra afirmação do Guga: “Sem música e sem comida não dá para viver”. Só é preciso lembrar que nos dois casos a resposta da plateia é imediata, positiva ou não. Mas, e daí? Quem sobe ao palco é mesmo para ver no que vai dar.

E foi assim mesmo que o Guga encarou os desafios profissionais. Primeiro, tentou o sucesso com o Rock’n’Roll. “Pode procurar na Internet: Banda Arcanjo MTV. Vai me encontrar lá todo cabeludo”, sugere o chef, que saiu de Maceió para garimpar oportunidades em um cenário mais promissor, a apocalíptica megalópole capital paulista. Mas como diz um dos clássicos do AC DC: “It’s a long way to the top if you wanna Rock’n’Roll”. As contas não esperariam os holofotes, então foi preciso tomar providências. O emprego como ajudante de cozinha veio bem a calhar.

A coisa toda já estava no DNA, desde sua avó confeiteira. Com a dedicação ao aprendizado, tanto acadêmico como de outras maneiras, os resultados começaram a aparecer. O talento brilhou na gastronomia. Mesmo sem a banda, a música seguiu acompanhando sua nova carreira. “Escuto muita música enquanto cozinho, e o repertório vai mudando conforme a receita. Se for um prato italiano, ouço música italiana; se for um prato francês, ouço Edith Piaf”, conta o chef. E não para por aí: “Também cozinho cantando muito. O pessoal que trabalha comigo morre de rir”.

É dessa eclética mistura de estilos que vem a escolha da “bolacha” da vez. Rattle and Hum, do U2, lançado em 1988, foi marcante na vida de Guga. “Estava começando a tocar violão e foi o primeiro disco de Rock que ouvi de verdade. Era um disco duplo e fui da primeira até a última faixa dos dois sem parar”, lembra o chef, como se estivesse revivendo aquela sensação. “Esse disco traz toda aquela coisa musical do Harlem, tem inclusive a música Angel of Harlem, várias faixas têm metais. Minha reação foi de ter descoberto o que eu queria fazer.”

A riqueza musical é mesmo um dos diferenciais de Rattle and Hum, o sexto disco da banda irlandesa, que traz gravações ao vivo e em estúdio. A faixa de abertura, por exemplo, é um cover dos Beatles com Helter Skelter. Há ainda a majestosa participação de B. B. King e sua inseparável guitarra Lucille em When Love Comes to Town. Embora o Guga não tenha comentado, certamente adorou essa parceria. “Gosto muito de Blues e de Jazz”, afirma. Aliás, o apurado gosto musical do chef não é obra do acaso. “Minha família gosta muito de Bossa Nova, então sempre curti. Ouvia Baden Powell, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, essa galera toda.”

Guga Rocha parece mesmo ser alguém muito grato por todas suas experiências, boas ou não, uma daquelas pessoas que acreditam ser a vida o bem maior. Seu bom humor é contagiante, assim como sua preocupação com o próximo. A conversa com o Vitrola já rumava para o final quando se ouviu um forte barulho de vidro quebrando no local em que estávamos. De imediato, o chef fez uma piada, mas ao perceber que alguém poderia ter se ferido, pediu licença, interrompeu a entrevista e correu para socorrer. Embora devesse ser a regra, a atitude não deixa de chamar a atenção nos dias atuais em que o próximo parece estar cada vez mais distante.

Vai aí o vídeo de uma das faixas inéditas de Rattle and Hum, a animadíssima Desire.



sábado, 2 de abril de 2016

Chora, viola! Mas é de felicidade

Esta semana tem repeteco no Vitrola. Poderia até ser surpresa, mas a “bolacha” que volta à cena tem presença garantida – quase obrigatória – na lista das mais tocadas do universo Rock’n’Roll. Trata-se de Road to Ruin, dos Ramones, lançado em 1978 pela Sire Records. A faixa que mais se destaca entre as 12 desse disco é I Wanna Be Sedated, tanto que até rendeu um single no ano seguinte. Também chama a atenção Needles and Pins, a única música que não é deles. “É uma baladinha, diferente do que eles faziam. Algo meio mela-cueca”, comenta Zé Helder, violeiro do Matuto Moderno e do Moda de Rock.

Nem pense em deboche. Zé Helder fala com muito carinho de Road to Ruin, o  primeiro disco que comprou, lá em meados de 1989, quando ouvia muito Punk Rock. Pode-se dizer que foi um achado, pois àquela época dificilmente aparecia algo do estilo em Itajubá, a cidade do sul de Minas Gerais onde Zé morava. “O que tinha era muita fita cassete que o amigo de algum amigo ou um primo levava de São Paulo para lá. Foi assim que acabei conhecendo Kólera e Olho Seco, por exemplo.” O violeiro lembra bem do momento em que se deparou com o Road to Ruin. “Encontrei o vinil na loja e não tinha grana comigo. Só pude voltar lá no dia seguinte, rezando para ninguém tê-lo comprado. Me lembro até do cheiro do disco”, conta o violeiro, que tem a bolacha até hoje.    

Quem acompanha o Vitrola já sacou que o Zé Helder é o parceiro do Ricardo Vignini – que também já passou por aqui – no impressionante trabalho de tocar clássicos do Rock na viola. Justiça seja feita, os caras fazem muito mais do que reproduzir tais músicas, recriam esses sons com novos arranjos para esse instrumento tão particular. “A gente se preocupa em manter o espírito do Rock’n’Roll sem deixar de tocar viola, que é muito rica de ritmo, de mão direita. Bom, no caso do Ricardo, de mão esquerda também”, comenta Zé em tom de brincadeira, lembrando que seu parceiro é canhoto.

Mas a história do Zé com a música começa bem antes de ele se tornar íntimo dos Ramones e da viola. Ainda menino, em Cachoeira de Minas, sua cidade natal, aprendeu a tocar clarinete na Sociedade Musical Eduardo Tenório. As aulas eram coisa séria, com leitura de partitura, solfejo e tudo mais. Rolou até turnê. Bem, ao menos deve ter sido essa a sensação para um garoto de dez anos ao viajar cerca de 60 quilômetros, sem a companhia dos pais, para tocar com diversas outras crianças na cidade vizinha.

Na adolescência, já morando em Itajubá, Zé passou a tocar contrabaixo, primeiro em uma banda que se dedicava a covers de Rock nacional dos anos 1980 e, depois, já um lance mais profissional com a Blues Corporation. O interesse em evoluir musicalmente só aumentou, e o então baixista foi estudar no Conservatório Estadual Juscelino Kubitscheck, na cidade de Pouso Alegre (também no sul de Minas). Curioso por natureza, buscou mais informações em livros e dicas com músicos mais experientes. Para completar, cursou Licenciatura Plena em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro.

Voltou às aulas no conservatório de Pouso Alegre, mas dessa vez como professor. Foi lá que assistiu a uma apresentação do Russo da Viola. “O cara estraçalhou!”, lembra Zé. Alguns dias depois encontrou o amigo Nikolaos, que lecionava guitarra, com uma viola na sala de aula. Não perdeu a oportunidade: tocou e se apaixonou. Em pouco tempo já havia comprado a sua. Para se ter ideia da dedicação, ele acabou criando um curso de viola em Pouso Alegre e outro no Conservatório Municipal de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde dá aulas duas vezes por semana.

Quem puder conferir o Zé Helder ao vivo, vale muito a pena. Inclusive, caso alguém esteja em Toronto, no Canadá, nos dias 2 e 3 de maio, o Matuto Moderno vai tocar na Canadian Music Week. “Também já arrumamos outros lugares por lá para mostrar nosso som”, diz o “cabôco” bão dimais da conta. Como ele trouxe os Ramones de volta ao Vitrola, vai aí o clipe de I Wanna Be Sedated.



segunda-feira, 28 de março de 2016

Do constrangimento em família à carreira profissional

O fascínio e a admiração por uma “bolacha” podem ser tão marcantes que até definem o início da trajetória artística de diversos músicos. Certamente ainda contaremos muitas dessas histórias aqui no Vitrola. Na verdade, vamos começar agora mesmo. Mas desta vez a influência vai além da sonoridade e entra na praia do humor. Foi o que aconteceu com Carlos Kozera, grande amigo e parceiro de “palhaçadas”. Artista com várias habilidades e reconhecido pelo trabalho apresentado no Youtube, Kozera conta que despertou para o que realmente queria fazer da vida após conhecer um disco histórico.

Em meio a uma reunião de família, uma prima apareceu empolgadíssima para compartilhar o som que trazia em uma fita cassete. “Ela colocou para tocar e era algo bem diferente. No meio das músicas os caras iam falando um monte de besteira e palavrões”, lembra. Aquela raridade era uma cópia do primeiro e único disco de estúdio dos Mamonas Assassinas, um grupo de cinco jovens da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, que conquistou um público gigantesco. Se por um lado as cômicas canções daquela rapaziada criaram um certo clima de constrangimento na família Kozera, por outro soaram como um convite para quem só queria saber de jogar futebol, andar de skate e tocar violão.

“Os caras quebraram várias barreiras, pois diziam toda aquela sacanagem com uma linguagem que agradava praticamente todo mundo”, comenta Kozera. “Sem contar que tocavam muito, cantavam muito e tinham letras geniais.” Sua principal conexão com o trabalho dos Mamonas foi exatamente a mistura de música e humor. Kozera é daqueles camaradas que leva muito a sério a história de “perco o amigo mas não perco a piada”. A cada cinco de suas frases, pelo menos três sugerem uma tiração de sarro. O resultado costuma ser positivo, mas há exceções. “Quando estudei teatro no Senac, acabava sempre indo para o lado do humor, mas os professores me fizeram entender que não precisa ser assim.”

O disco homônimo dos Mamonas foi gravado em 1995 pela EMI, lançado em vinil, CD e K-7, e vendeu mais de três milhões de cópias. Formada por Dinho (vocal), Bento (guitarra), Júlio (teclado), Samuel (Baixo) e Sérgio (bateria), a banda tinha origem no Rock’n’Roll (quando ainda se chamava Utopia) mas ganhou espaço misturando tudo quanto é estilo musical e situações cotidianas que pudessem render uma boa gargalhada. A irreverência e o carisma atraíram fãs de todas as idades e classes sociais. Tanto que há 20 anos lamentamos a perda do grupo em um acidente de avião.

A arte dos Mamonas continua viva na memória de uma legião de fãs e na influência ao trabalho de inúmeros artistas. “Sei tocar quase todas as músicas daquele disco. Sempre que há uma roda de amigos e um violão, Mamonas é certeza de diversão e música boa”, confirma Kozera, que também é malabarista, anda em pernas de pau, integra o grupo de palhaços Los Marmotas e faz parte do elenco do canal Nomegusta no Youtube (com mais de 3 milhões de inscritos!). Em sua opinião, o humor é um caminho valioso para quebrar as barreiras que separam as pessoas, ainda mais nos dias de hoje em que cresce a tendência de cada um se fechar em seu universo particular de comunicação virtual. “Quando alguém faz uma piada, uma brincadeira, chama a atenção das outras pessoas, contagia, aproxima.” Que assim seja!

Vai aí um clipe dos Mamonas Assassinas com “Pelados em Santos” e a icônica Brasília amarela.



domingo, 13 de março de 2016

Polêmica também pode ser coisa muito boa

Alguém já viu confronto em que todo mundo sai ganhando? É difícil, mas se tiver arte no meio a coisa muda de figura. Para provar que isso é a mais pura verdade, a “bolacha” da semana é baseada no duelo musical de Noel Rosa e Wilson Batista (Baptista, originalmente), um embate histórico que dá gosto de ouvir e repetir. O disco de dez polegadas gravado pela Odeon, em 1956, ganhou o sugestivo nome de Pôlemica e uma capa com a caricatura desses boêmios cariocas assinada do cartunista Antonio Nássara.

As nove faixas do disco são cantadas por Francisco Egydio, interpretando Noel, e Roberto Paiva, fazendo as vezes de Wilson. As composições foram criadas quase como repentes, pois assim que um fazia a provocação, o outro se apressava em responder. A sofisticação de letra e música é algo que pouco se vê nos dias de hoje. “Eles mostraram que é possível tirar a limpo questões pessoais com muito talento e sem violência.” Esta é a opinião de Manuel Jorge Dias, orgulhoso dono de uma cópia desse vinil.

Jorge é um engenheiro de minas formado pela Universidade de São Paulo (USP), em 1979, que ganhou notoriedade profissional pelos trabalhos realizados no ramo de implosões (como o presídio Carandiru). Tanto que passou a ser conhecido como Manezinho da Implosão. E Polêmica é um de seus discos prediletos. Essa informação ganha relevância quando consideramos o fato de Jorge ser também um dos maiores colecionadores de vinis do País. “Hoje, sou o segundo”, afirma.

O engenheiro é responsável pelo Feirão de 1 Milhão de LPs, que a partir de março de 2014 transformou os finais de semana no bairro da Mooca, na capital paulista. “Cheguei a receber 700 pessoas no evento”, conta Jorge. Também pudera, além das inúmeras opções de diferentes épocas e estilos musicais, os compradores desembolsavam apenas R$ 4,90 por disco, com direito a mais um de brinde. O sucesso foi um incentivo para a criação do Casarão do Vinil, loja localizada na mesma região e que abriga um acervo de mais de 700 mil discos. “Queremos transformar a Mooca na capital brasileira do vinil”, anuncia o empresário.

E como um especialista em implosão acaba criando uma explosão de discos dessa maneira? No melhor estilo do limão para a limonada. Pensando em diversificar os negócios, no ano 2000 Jorge arrematou cinco carretas de mercadoria em um leilão de roupas, abraçou o comércio e abriu uma loja. Não abriu mão da atividade principal, mas também não esperava que a loja acabaria “implodindo”. Problemas com falta de segurança minaram os resultados e a disposição para continuar vendendo roupas.

Foi aí que tudo começou. Para se desfazer das roupas, Jorge instituiu uma espécie de feira de trocas, na qual as pessoas pagavam pelas peças de vestuário com livros. Em seguida, começaram também a ofercer antiguidades para o escambo e, por fim, surgiram os vinis. Embora naquela época não soubesse avaliar o valor das bolachas, Jorge se encantou com as histórias por trás daqueles discos (opa, qualquer semelhança com o Vitrola Secrets não é mera coincidência, a gente também adora). Daí para frente, não parou mais, e já chegou a ter o maior acervo nacional de discos.

Jorge continua trabalhando com as implosões – será o responsável, por exemplo, pela implosão do Estádio Olímpico, a antiga casa do Grêmio, o tricolor de Porto Alegre (RS) – mas a paixão pelos discos ganhou um espaço e tanto em sua vida. Mais ainda pelo fato de ter conseguido promover ações de cidadania por meio da venda de discos, como campanhas de doação de agasalho, de sangue e de medula óssea. Que as bolachas continuem a ser motivo de felicidade.

Esse vídeo com Henrique Cazes e Cristina Buarque conta – e canta – um pouco da rivalidade musical entre Noel Rosa e Wilson Batista.




domingo, 6 de março de 2016

“A Lauryn Hill é da quebrada!”

Os textos do Vitrola são, de uma forma ou de outra, homenagens. Seja para quem nos conta suas histórias, seja para os artistas responsáveis pelas “bolachas”. Nesta semana elas vêm de coletânea. Na próxima terça-feira (8), será o Dia Internacional da Mulher, com seus diversos motivos e maneiras para celebrar. Exatamente por isso o post de hoje é com a fotógrafa e artista visual Mariana Ser, uma talentosa voz feminina.

“Mari” – foi assim que a conheci – produziu uma série de autorretratos chamada As mulheres que eu gostaria de ser, em que expõe sua admiração e seu respeito por algumas figuras marcantes. A ideia surgiu em 2015, entre o fim de novembro e o início de dezembro, após ter assistido a Frida, filme sobre a vida da pintora mexicana Frida Kahlo. Mari começou a brincar de imitar a imagem marcante da artista – sobrancelhas, cabelo, olhar – e se surpreendeu. “Ficou mesmo parecido.” Esse primeiro resultado trouxe outras mulheres impressionantes e novas imagens tão interessantes quanto.

Lauryn Hill é um nome que poderia muito bem ter entrado nessa lista, pois está entre as cantoras que Mari mais admira. “A voz dela é maravilhosa, sempre fui muito fã.” Pois a bolacha da vez é The Miseducation of Lauryn Hill, o primeiro disco solo da artista, que também é compositora, produtora e atriz. Aliás, Mari conta que não se cansou de ver a atuação de Lauryn em Mudança de Hábito 2, filme de 1993, estrelado por Whoopi Goldberg.

Se a cantora já era uma inspiração quando integrava o Fugees, mais ainda em carreira solo. Lançado em 1998, o Miseducation chegou às mãos de Mari como um presente de sua irmã, provavelmente no ano 2000. “Me lembro que era o ano em que o mundo iria acabar”, recorda. O mundo não acabou e a fotógrafa teve muito tempo para se deliciar com o disco. “Não sei como não o furei, de tanto que escutei.” Hoje, a bolacha vai no prato quando quer ficar animada, ou quando já está animada e quer ficar mais ainda.

Ouvir Miseducation é sempre uma experiência que entusiasma, até para quem não é fã de Lauryn. A mistura de Hip Hop, R&B, Soul e tudo o que influenciou a cantora é deslumbrante. “O disco foi considerado o primeiro Neo Soul, ou seja, ela criou um novo estilo”, comenta Mari, que também ficou impressionada com essa autêntica combinação. “Ser autêntico não é para qualquer artista. Ela é um exemplo para mim, pois também sou uma artista que mistura muito.”

Tudo isso é também uma prova da ousadia de Lauryn. “Vamos combinar que na época do Miseducation não era comum mulheres lançarem disco solo para o público Hip Hop. Até hoje é difícil. Mas ela foi corajosa e bancou seu projeto”, reforça Mari. O fato de a cantora usar a voz e a carreira para defender as causas  relacionadas aos negros também chama a atenção. “Por tudo o que vejo dela, sinto que ela não se vende. A Lauryn Hill é da quebrada.” É aí que a admiração passa do campo artístico para a postura da cantora como profissional, cidadã, enfim, ser humano.

Pelo bate-papo com a Mari, é bem possível que a Lauryn apareça em uma nova série de autorretratos. Vai aí uma mostra do que é o Miseducation com o clipe de Everythin is everything.



domingo, 28 de fevereiro de 2016

Se Marky Ramone não vai a Piracaia...

Alguns medalhões da música internacional não perdem a chance de vir ao Brasil. A calorosa recepção que costumam encontrar por aqui é certamente uma das razões. Que o diga Marc Steven Bell, ou melhor, Marky Ramone, o baterista e único sobrevivente dos Ramones, lendária banda norte-americana de Punk Rock. Toda vez que ele resolve nos visitar atrai gente de todos os lados e que faz de quase tudo para se aproximar, trocar uma palavra, pegar um autógrafo, enfim, aproveitar a oportunidade.

Um exemplo é meu camarada Igor Muller, radialista e apresentador das Rádios Eldorado e Estadão. Quando Marky esteve no País em 2005, Igor trabalhava na Rádio Brasil 2000, onde o músico daria uma entrevista e, claro, faria um som. “Meu horário era das 18h às 22h, e o Marky ia tocar lá às 16h. Naquele dia cheguei ao meio-dia”, lembra ele, que esperava pelo baterista acompanhado de sua cópia de Road to Ruin para ser devidamente autografada. Lançado em 1978, Road to Ruin é o disco de estreia de Marky nos estúdios com os Ramones, e traz I Wanna Be Sedated e Needles and Pins entre as faixas mais tocadas.

Parte interessante de toda essa história é a origem da “bolacha”, agora com valor agregado por conta do autógrafo de Marky. Igor é natural de Piracaia, cidade do interior de São Paulo, próxima de Atibaia e a pouco mais de 40 km da divisa com Minas Gerais. Foi lá que iniciou sua carreira pelas ondas radiofônicas, em 2002, participando da programação esportiva e também musical da rádio comunitária.

Com certa frequência (sem qualquer intenção de trocadilho), uma leva de vinis era, como podemos dizer, colocada à disposição para doação. Foi em uma dessas limpas que Igor garimpou o Road to Ruin, intacto. Ele lembra que era comum encontrar raridades em excelente estado no meio daqueles discos. “Achei coisas como Selvagem, dos Paralamas do Sucesso, e Music for Airport, de Brian Eno”, confirma. Quem diria que um vinil prestes a virar descarte em Piracaia acabaria nas mãos de Marky Ramone para ser autografado? Se Maomé não vai à montanha...

Na verdade, esse episódio é uma das muitas histórias que Igor tem para contar sobre os caminhos que ele mesmo tem construído para ir a Maomé, à montanha e a diversos outros destinos. Apaixonado por música desde a infância, teve a sorte – ou o destino – de sempre estar em contato com artistas de qualidade, gente de primeira linha. O espírito questionador também o incentivou a querer saber mais sobre toda essa galera e entender cada vez mais e melhor as sonoridades diante de seus ouvidos.

Foi essa inquietude que o levou, por exemplo, à Rádio Brasil 2000. “Havia lá um programa transmitido nas noites de sexta com a seleção musical dividida entre alguém conhecido e um ouvinte, com meia hora para cada um”, conta. E acrescenta: “Enviei minha seleção e fui escolhido para apresentar no mesmo dia que o Dudu Braga”. Se o simples fato de participar já seria gratificante, estar no mesmo programa que o filho de Roberto Carlos então foi um prêmio.

Provavelmente mais do que isso. Na preparação para o programa Igor teve contato com a equipe técnica e conversou sobre sua experiência como locutor e seu conhecimento musical. O bate-papo foi o primeiro passo para, mais tarde, estar do mesmo lado de profissionais que já admirava. Trabalhar com o que se gosta não é só uma questão de privilégio, é consequência do quê e de como se busca. Que venham novas histórias para contarmos por aqui.

Aí vai uma apresentação dos Ramones com Needles and Pins, em 1978.



domingo, 21 de fevereiro de 2016

Amigo também é para essas coisas

Entre as muitas coisas boas que vêm da música está o milagre da multiplicação das amizades. Tudo bem, milagre pode ser um exagero, mas que a sintonia na preferência musical é um estímulo e tanto para aproximar novos e velhos amigos, disso não há dúvidas. No entanto, é bom lembrar: para tudo nessa vida há limites. Que o diga o jornalista Eduardo Barão, pois vai por aí a história que ele nos contou sobre uma “bolacha” que nunca teve.

O disco em questão é VS., o segundo gravado pelo Pearl Jam e lançado em outubro de 1993. “É aquele com uma ovelha na capa”, detalha Barão. Com 12 faixas, VS. tem um som pesado na maior parte do tempo, chegando a ser sombrio em certos momentos. A energia peculiar da banda está muito presente. Experimente colocar Go, a faixa de abertura, como som de seu despertador e vai entender bem o que isso significa. Algumas das músicas mais tocadas na época são as menos “paulada”, como Daugther, Dissident e Elderly woman behind the counter in a small town.

Voltando à relação entre música e amizade, a admiração pelo Pearl Jam é compartilhada por Eduardo Barão com o amigo de infância e também jornalista Luiz Megale. Talvez a medida da predileção seja um pouco diferente. “O Megale queria ser o primeiro cara no Brasil a comprar o VS.”, explica Barão. Se havia um ponto estratégico para fechar o cerco em torno da primeira cópia de VS., em São Paulo (ambos moram na capital paulista), esse lugar era Galeria do Rock, no centro velho da cidade.

Pois bem, a aventura começou bem cedo no dia em que o disco chegaria ao País. “Praticamente abrimos a Galeria. Mas logo soubemos que o disco só estaria lá um pouco mais tarde”, recorda Barão. Durante toda a manhã, os dois não arredaram pé do local, buscando loja por loja. Após o almoço, ali pelo centrão mesmo, retornaram para o segundo turno da jornada.

A rotina não foi diferente: peregrinação pelas lojas sem que o VS. aparecesse. Diga-se de passagem, o nome da bolacha era bem sugestivo para a situação. “O dia terminou e ainda estávamos lá, sem o disco”, conta Barão, que acabou por deixar o campo de batalha. “Eu já tinha feito a minha parte de amigo.” É, tudo tem limite, até montar guarda a espera de um lançamento do Pearl Jam.

Mas, Barão, e o Megale? “Continuou lá por mais um tempo, sem sucesso. No dia seguinte, voltou à Galeria e conseguiu o CD”, responde. E acrescenta: “Até hoje ele acredita ter sido um dos primeiros brasileiros a adquirir o VS.”. Depois dessa experiência, nem mesmo a admiração pela banda e pelo próprio disco fez com que o Barão tivesse sua própria cópia. “O VS. é muito bom, já ouvi umas quinhentas vezes. Mas nunca comprei.”

A amizade de Barão e Megale ficou bastante conhecida pelos ouvintes da Rádio Band News FM, pois os dois trabalharam juntos apresentando a programação matutina da emissora. Barão continua nas ondas radiofônicas (entre outras missões no Grupo Bandeirantes) e Megale está na bancada do Café com Jornal, nas manhãs televisivas da Band.

Aqui vai uma pitada do VS., com o Pearl Jam tocando Dissident ao vivo. 



domingo, 7 de fevereiro de 2016

Bendita seja a reciclagem musical

Alguns discos têm importância tão grande na carreira dos artistas que viram raridade. É o caso de “Pirão de peixe com pimenta”, que marcou a trajetória de Sá e Guarabyra. A “bolacha” gravada em 1977, pela Som Livre, traz sucessos como “Sobradinho” e “Espanhola” e mostra um estilo musical que fala de maneira cativante sobre a cultura e o cotidiano interioranos do Brasil. O trabalho da dupla também se destaca pela elevada qualidade técnica, sem deixar de ser popular. Imagina-se que qualquer cópia do “Pirão” seja guardada com muito zelo e carinho. Mas nem sempre é assim.

Alguém acredita que esse disco poderia ser encontrado no lixo? Pois foi exatamente assim que o violeiro Ricardo Vignini descolou sua cópia. “Achei este e diversos outros vinis em uma lixeira do prédio onde morava”, conta. Isso aconteceu lá pelos anos 1990, quando o músico vivia na Vila Santa Catarina, zona sul da cidade de São Paulo (SP). “É um grande disco da dupla, gravado com uma grande banda”, acrescenta. Descaso para uns, presente para outros.

O encontro de Vignini com o disco de Sá e Guarabyra aconteceu em um momento de reciclagem musical. Primeiro, porque salvou a “bolacha” de um destino cruel. Segundo, porque foi naquela época que o som digital vinha ganhando espaço e os CDs começavam a assumir o reinado dos vinis. E, em terceiro, porque o próprio Vignini estava definindo novos rumos para sua carreira. “Toquei guitarra por muito tempo, e comecei com Rock pesado. Mas minha avó sempre me falava da catira e de outras coisas da cultura musical do interior.”

Vignini descobriu que a energia buscada no Rock’n’Roll também podia ser encontrada em um ponteado de Tião Carreiro. Daí para a frente, sua carreira passou a girar em torno da viola. Mais do que um dedicado instrumentista, também se tornou um pesquisador da cultura popular do Sudeste. Inevitavelmente, foi se envolvendo com outros nomes significativos dessa praia, ou melhor, desse campo.

Bom exemplo é o violeiro Zé Helder, com quem forma o Moda de Rock, projeto musical em que fazem versões de grandes clássicos do Rock’n’Roll para viola. “A história começou com o intuito de atrair a atenção dos jovens para o instrumento e foi tomando uma proporção gigante”, diz o violeiro. Do lançamento do primeiro disco, há cinco anos, até o final de 2015, a dupla realizou mais de 300 apresentações, dentro e fora do Brasil. E andam com a agenda cheia.

No início de janeiro, Vignini e Zé Helder lançaram o disco Moda de Rock II. O Vitrola foi conferir uma das apresentações. A dupla é mesmo impressionante. Para se ter ideia da versatilidade e da criatividade da dupla, o repertório passa por Iron Maiden, Slayer, Ozzy Osbourne, Metallica, Pink Floyd, Queen, entre outros. No entanto, Vignini deixa um recado para a garotada que pretende se divertir tocando Rock’n’Roll na viola: “Primeiro tem de aprender a tocar Tião Carreiro”.

Aqui vai um vídeo de Sá e Guarabyra tocando “Sobradinho” na TV Cultura, no programa “Viola, minha viola”, apresentado na época pela saudosa Inezita Barroso. 



domingo, 31 de janeiro de 2016

Juntar a discoteca também é uma prova de amor

Quero fazer uma homenagem para fechar o mês de janeiro. Ontem, tive o prazer, a honra, a satisfação e diversas outras good vibrations de testemunhar e “apadrinhar” o casamento de dois grandes amigos. Depois de alguns anos um sendo acolhido pelo teto do outro e, mais recentemente, de já compartilharem o mesmo lar, Janaína Soares e Maurício Amaral – para mim, Jana e Mauzinho – oficializaram a parada. E o que isso tem a ver com o Vitrola? Tudo! O gosto musical de ambos é tão parecido, o que acredito ser uma benção para a vida a dois, que foi inevitável ter, entre vinis e CDs, algumas “bolachas” repetidas na união da discoteca. O que fazer? Doar uma das cópias? Qual deve ficar?

Matei minha curiosidade em uma conversa com Maurício, que me afirmou com a maior naturalidade: “Ficamos com todos os discos”. De maneira geral, quando um casal resolve formar um lar procura otimizar os espaços, mas isso não foi um problema para os dois na hora de juntar os discos. Há alguns dias a Janaína até mostrou em uma foto, via Facebook, quão organizada está a discoteca do casal. Ficou bacana, mas talvez tenha sido apenas a pressão de ter o lar todo em ordem às vésperas do casório. Talvez não.

Os pombinhos se conheceram e se aproximaram graças ao Heavy Metal. São fãs de carteirinha do estilo musical, com um vasto currículo de idas a shows de bandas tanto brazucas quanto gringas. No caso de Maurício, o histórico passa também por palcos e estúdios, pois desde a adolescência tem uma fervorosa relação de amor com suas guitarras. É integrante do Anthares (entrou em 1991), importante nome do Metal paulistano dos anos 1980, e do Megaforce, que também surgiu naquela década. Reza a lenda que as primeiras centelhas do romance até tenham surgido como encantamento da fã pelo rock star.

Voltando às bolachas, a dualidade foi percebida logo que começaram a namorar. Mas Maurício conta jamais ter pensado em como seria se um dia viessem a se casar. “Cara, nunca cogitei a possibilidade de me desfazer dos discos, pois são muito preciosos. E acredito que a Jana sempre pensou da mesma forma”, diz o meu camarada guitarrista. Entre os exemplares repetidos, há nomes como Iron Maiden, Van Halen, Accept e Exumer.

Destaque para Hell Awaits, segundo disco de estúdio do Slayer, banda norte-americana de Thrash Metal. Lançado em 1985, pela Metal Blade Records. De romântico, o Hell Awaits não tem nada, muito pelo contrário, mas é meio que um xodó do casal. Assim como o Slayer está entre as bandas preferidas de ambos. Confesso que, do estilo, é uma das que mais gosto também. Inclusive, fui com a Janaína a um dos shows do grupo em São Paulo. Na época, o Maurício morava em Macaé (RJ) e não pode nos acompanhar, pois a apresentação foi no meio da semana. Mas não deixou por menos e também foi curtir um som ao vivo: havia uma apresentação da banda 14 Bis lá em Macaé.

A vida é mesmo uma constante trilha sonora. E quando temos grandes amizades para enriquecer esse acervo musical, é ainda melhor. Para celebrar a união desses meus amigos, escolhi um vídeo que faz referência a uma das paradas da lua-de-mel.