segunda-feira, 28 de março de 2016

Do constrangimento em família à carreira profissional

O fascínio e a admiração por uma “bolacha” podem ser tão marcantes que até definem o início da trajetória artística de diversos músicos. Certamente ainda contaremos muitas dessas histórias aqui no Vitrola. Na verdade, vamos começar agora mesmo. Mas desta vez a influência vai além da sonoridade e entra na praia do humor. Foi o que aconteceu com Carlos Kozera, grande amigo e parceiro de “palhaçadas”. Artista com várias habilidades e reconhecido pelo trabalho apresentado no Youtube, Kozera conta que despertou para o que realmente queria fazer da vida após conhecer um disco histórico.

Em meio a uma reunião de família, uma prima apareceu empolgadíssima para compartilhar o som que trazia em uma fita cassete. “Ela colocou para tocar e era algo bem diferente. No meio das músicas os caras iam falando um monte de besteira e palavrões”, lembra. Aquela raridade era uma cópia do primeiro e único disco de estúdio dos Mamonas Assassinas, um grupo de cinco jovens da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, que conquistou um público gigantesco. Se por um lado as cômicas canções daquela rapaziada criaram um certo clima de constrangimento na família Kozera, por outro soaram como um convite para quem só queria saber de jogar futebol, andar de skate e tocar violão.

“Os caras quebraram várias barreiras, pois diziam toda aquela sacanagem com uma linguagem que agradava praticamente todo mundo”, comenta Kozera. “Sem contar que tocavam muito, cantavam muito e tinham letras geniais.” Sua principal conexão com o trabalho dos Mamonas foi exatamente a mistura de música e humor. Kozera é daqueles camaradas que leva muito a sério a história de “perco o amigo mas não perco a piada”. A cada cinco de suas frases, pelo menos três sugerem uma tiração de sarro. O resultado costuma ser positivo, mas há exceções. “Quando estudei teatro no Senac, acabava sempre indo para o lado do humor, mas os professores me fizeram entender que não precisa ser assim.”

O disco homônimo dos Mamonas foi gravado em 1995 pela EMI, lançado em vinil, CD e K-7, e vendeu mais de três milhões de cópias. Formada por Dinho (vocal), Bento (guitarra), Júlio (teclado), Samuel (Baixo) e Sérgio (bateria), a banda tinha origem no Rock’n’Roll (quando ainda se chamava Utopia) mas ganhou espaço misturando tudo quanto é estilo musical e situações cotidianas que pudessem render uma boa gargalhada. A irreverência e o carisma atraíram fãs de todas as idades e classes sociais. Tanto que há 20 anos lamentamos a perda do grupo em um acidente de avião.

A arte dos Mamonas continua viva na memória de uma legião de fãs e na influência ao trabalho de inúmeros artistas. “Sei tocar quase todas as músicas daquele disco. Sempre que há uma roda de amigos e um violão, Mamonas é certeza de diversão e música boa”, confirma Kozera, que também é malabarista, anda em pernas de pau, integra o grupo de palhaços Los Marmotas e faz parte do elenco do canal Nomegusta no Youtube (com mais de 3 milhões de inscritos!). Em sua opinião, o humor é um caminho valioso para quebrar as barreiras que separam as pessoas, ainda mais nos dias de hoje em que cresce a tendência de cada um se fechar em seu universo particular de comunicação virtual. “Quando alguém faz uma piada, uma brincadeira, chama a atenção das outras pessoas, contagia, aproxima.” Que assim seja!

Vai aí um clipe dos Mamonas Assassinas com “Pelados em Santos” e a icônica Brasília amarela.



domingo, 13 de março de 2016

Polêmica também pode ser coisa muito boa

Alguém já viu confronto em que todo mundo sai ganhando? É difícil, mas se tiver arte no meio a coisa muda de figura. Para provar que isso é a mais pura verdade, a “bolacha” da semana é baseada no duelo musical de Noel Rosa e Wilson Batista (Baptista, originalmente), um embate histórico que dá gosto de ouvir e repetir. O disco de dez polegadas gravado pela Odeon, em 1956, ganhou o sugestivo nome de Pôlemica e uma capa com a caricatura desses boêmios cariocas assinada do cartunista Antonio Nássara.

As nove faixas do disco são cantadas por Francisco Egydio, interpretando Noel, e Roberto Paiva, fazendo as vezes de Wilson. As composições foram criadas quase como repentes, pois assim que um fazia a provocação, o outro se apressava em responder. A sofisticação de letra e música é algo que pouco se vê nos dias de hoje. “Eles mostraram que é possível tirar a limpo questões pessoais com muito talento e sem violência.” Esta é a opinião de Manuel Jorge Dias, orgulhoso dono de uma cópia desse vinil.

Jorge é um engenheiro de minas formado pela Universidade de São Paulo (USP), em 1979, que ganhou notoriedade profissional pelos trabalhos realizados no ramo de implosões (como o presídio Carandiru). Tanto que passou a ser conhecido como Manezinho da Implosão. E Polêmica é um de seus discos prediletos. Essa informação ganha relevância quando consideramos o fato de Jorge ser também um dos maiores colecionadores de vinis do País. “Hoje, sou o segundo”, afirma.

O engenheiro é responsável pelo Feirão de 1 Milhão de LPs, que a partir de março de 2014 transformou os finais de semana no bairro da Mooca, na capital paulista. “Cheguei a receber 700 pessoas no evento”, conta Jorge. Também pudera, além das inúmeras opções de diferentes épocas e estilos musicais, os compradores desembolsavam apenas R$ 4,90 por disco, com direito a mais um de brinde. O sucesso foi um incentivo para a criação do Casarão do Vinil, loja localizada na mesma região e que abriga um acervo de mais de 700 mil discos. “Queremos transformar a Mooca na capital brasileira do vinil”, anuncia o empresário.

E como um especialista em implosão acaba criando uma explosão de discos dessa maneira? No melhor estilo do limão para a limonada. Pensando em diversificar os negócios, no ano 2000 Jorge arrematou cinco carretas de mercadoria em um leilão de roupas, abraçou o comércio e abriu uma loja. Não abriu mão da atividade principal, mas também não esperava que a loja acabaria “implodindo”. Problemas com falta de segurança minaram os resultados e a disposição para continuar vendendo roupas.

Foi aí que tudo começou. Para se desfazer das roupas, Jorge instituiu uma espécie de feira de trocas, na qual as pessoas pagavam pelas peças de vestuário com livros. Em seguida, começaram também a ofercer antiguidades para o escambo e, por fim, surgiram os vinis. Embora naquela época não soubesse avaliar o valor das bolachas, Jorge se encantou com as histórias por trás daqueles discos (opa, qualquer semelhança com o Vitrola Secrets não é mera coincidência, a gente também adora). Daí para frente, não parou mais, e já chegou a ter o maior acervo nacional de discos.

Jorge continua trabalhando com as implosões – será o responsável, por exemplo, pela implosão do Estádio Olímpico, a antiga casa do Grêmio, o tricolor de Porto Alegre (RS) – mas a paixão pelos discos ganhou um espaço e tanto em sua vida. Mais ainda pelo fato de ter conseguido promover ações de cidadania por meio da venda de discos, como campanhas de doação de agasalho, de sangue e de medula óssea. Que as bolachas continuem a ser motivo de felicidade.

Esse vídeo com Henrique Cazes e Cristina Buarque conta – e canta – um pouco da rivalidade musical entre Noel Rosa e Wilson Batista.




domingo, 6 de março de 2016

“A Lauryn Hill é da quebrada!”

Os textos do Vitrola são, de uma forma ou de outra, homenagens. Seja para quem nos conta suas histórias, seja para os artistas responsáveis pelas “bolachas”. Nesta semana elas vêm de coletânea. Na próxima terça-feira (8), será o Dia Internacional da Mulher, com seus diversos motivos e maneiras para celebrar. Exatamente por isso o post de hoje é com a fotógrafa e artista visual Mariana Ser, uma talentosa voz feminina.

“Mari” – foi assim que a conheci – produziu uma série de autorretratos chamada As mulheres que eu gostaria de ser, em que expõe sua admiração e seu respeito por algumas figuras marcantes. A ideia surgiu em 2015, entre o fim de novembro e o início de dezembro, após ter assistido a Frida, filme sobre a vida da pintora mexicana Frida Kahlo. Mari começou a brincar de imitar a imagem marcante da artista – sobrancelhas, cabelo, olhar – e se surpreendeu. “Ficou mesmo parecido.” Esse primeiro resultado trouxe outras mulheres impressionantes e novas imagens tão interessantes quanto.

Lauryn Hill é um nome que poderia muito bem ter entrado nessa lista, pois está entre as cantoras que Mari mais admira. “A voz dela é maravilhosa, sempre fui muito fã.” Pois a bolacha da vez é The Miseducation of Lauryn Hill, o primeiro disco solo da artista, que também é compositora, produtora e atriz. Aliás, Mari conta que não se cansou de ver a atuação de Lauryn em Mudança de Hábito 2, filme de 1993, estrelado por Whoopi Goldberg.

Se a cantora já era uma inspiração quando integrava o Fugees, mais ainda em carreira solo. Lançado em 1998, o Miseducation chegou às mãos de Mari como um presente de sua irmã, provavelmente no ano 2000. “Me lembro que era o ano em que o mundo iria acabar”, recorda. O mundo não acabou e a fotógrafa teve muito tempo para se deliciar com o disco. “Não sei como não o furei, de tanto que escutei.” Hoje, a bolacha vai no prato quando quer ficar animada, ou quando já está animada e quer ficar mais ainda.

Ouvir Miseducation é sempre uma experiência que entusiasma, até para quem não é fã de Lauryn. A mistura de Hip Hop, R&B, Soul e tudo o que influenciou a cantora é deslumbrante. “O disco foi considerado o primeiro Neo Soul, ou seja, ela criou um novo estilo”, comenta Mari, que também ficou impressionada com essa autêntica combinação. “Ser autêntico não é para qualquer artista. Ela é um exemplo para mim, pois também sou uma artista que mistura muito.”

Tudo isso é também uma prova da ousadia de Lauryn. “Vamos combinar que na época do Miseducation não era comum mulheres lançarem disco solo para o público Hip Hop. Até hoje é difícil. Mas ela foi corajosa e bancou seu projeto”, reforça Mari. O fato de a cantora usar a voz e a carreira para defender as causas  relacionadas aos negros também chama a atenção. “Por tudo o que vejo dela, sinto que ela não se vende. A Lauryn Hill é da quebrada.” É aí que a admiração passa do campo artístico para a postura da cantora como profissional, cidadã, enfim, ser humano.

Pelo bate-papo com a Mari, é bem possível que a Lauryn apareça em uma nova série de autorretratos. Vai aí uma mostra do que é o Miseducation com o clipe de Everythin is everything.