Alguém já viu confronto em que
todo mundo sai ganhando? É difícil, mas se tiver arte no meio a coisa muda de
figura. Para provar que isso é a mais pura verdade, a “bolacha” da semana é baseada
no duelo musical de Noel Rosa e Wilson Batista (Baptista, originalmente), um embate
histórico que dá gosto de ouvir e repetir. O disco de dez polegadas gravado
pela Odeon, em 1956, ganhou o sugestivo nome de Pôlemica e uma capa com a caricatura desses boêmios cariocas
assinada do cartunista Antonio Nássara.
As nove faixas do disco são
cantadas por Francisco Egydio, interpretando Noel, e Roberto Paiva, fazendo as
vezes de Wilson. As composições foram criadas quase como repentes, pois assim
que um fazia a provocação, o outro se apressava em responder. A sofisticação de
letra e música é algo que pouco se vê nos dias de hoje. “Eles mostraram que é
possível tirar a limpo questões pessoais com muito talento e sem violência.”
Esta é a opinião de Manuel Jorge Dias, orgulhoso dono de uma cópia desse vinil.
Jorge é um engenheiro de minas
formado pela Universidade de São Paulo (USP), em 1979, que ganhou notoriedade
profissional pelos trabalhos realizados no ramo de implosões (como o presídio
Carandiru). Tanto que passou a ser conhecido como Manezinho da Implosão. E Polêmica é um de seus discos prediletos.
Essa informação ganha relevância quando consideramos o fato de Jorge ser também
um dos maiores colecionadores de vinis do País. “Hoje, sou o segundo”, afirma.
O engenheiro é responsável pelo
Feirão de 1 Milhão de LPs, que a partir de março de 2014 transformou os finais
de semana no bairro da Mooca, na capital paulista. “Cheguei a receber 700
pessoas no evento”, conta Jorge. Também pudera, além das inúmeras opções de
diferentes épocas e estilos musicais, os compradores desembolsavam apenas R$
4,90 por disco, com direito a mais um de brinde. O sucesso foi um incentivo
para a criação do Casarão do Vinil, loja localizada na mesma região e que
abriga um acervo de mais de 700 mil discos. “Queremos transformar a Mooca na
capital brasileira do vinil”, anuncia o empresário.
E como um especialista em
implosão acaba criando uma explosão de discos dessa maneira? No melhor estilo
do limão para a limonada. Pensando em diversificar os negócios, no ano 2000
Jorge arrematou cinco carretas de mercadoria em um leilão de roupas, abraçou o
comércio e abriu uma loja. Não abriu mão da atividade principal, mas também não
esperava que a loja acabaria “implodindo”. Problemas com falta de segurança
minaram os resultados e a disposição para continuar vendendo roupas.
Foi aí que tudo começou. Para se
desfazer das roupas, Jorge instituiu uma espécie de feira de trocas, na qual as
pessoas pagavam pelas peças de vestuário com livros. Em seguida, começaram
também a ofercer antiguidades para o escambo e, por fim, surgiram os vinis.
Embora naquela época não soubesse avaliar o valor das bolachas, Jorge se
encantou com as histórias por trás daqueles discos (opa, qualquer semelhança
com o Vitrola Secrets não é mera coincidência, a gente também adora). Daí para
frente, não parou mais, e já chegou a ter o maior acervo nacional de discos.
Jorge continua trabalhando com as
implosões – será o responsável, por exemplo, pela implosão do Estádio Olímpico,
a antiga casa do Grêmio, o tricolor de Porto Alegre (RS) – mas a paixão pelos
discos ganhou um espaço e tanto em sua vida. Mais ainda pelo fato de ter
conseguido promover ações de cidadania por meio da venda de discos, como
campanhas de doação de agasalho, de sangue e de medula óssea. Que as bolachas
continuem a ser motivo de felicidade.
Esse vídeo com Henrique Cazes e
Cristina Buarque conta – e canta – um pouco da rivalidade musical entre Noel
Rosa e Wilson Batista.