domingo, 13 de março de 2016

Polêmica também pode ser coisa muito boa

Alguém já viu confronto em que todo mundo sai ganhando? É difícil, mas se tiver arte no meio a coisa muda de figura. Para provar que isso é a mais pura verdade, a “bolacha” da semana é baseada no duelo musical de Noel Rosa e Wilson Batista (Baptista, originalmente), um embate histórico que dá gosto de ouvir e repetir. O disco de dez polegadas gravado pela Odeon, em 1956, ganhou o sugestivo nome de Pôlemica e uma capa com a caricatura desses boêmios cariocas assinada do cartunista Antonio Nássara.

As nove faixas do disco são cantadas por Francisco Egydio, interpretando Noel, e Roberto Paiva, fazendo as vezes de Wilson. As composições foram criadas quase como repentes, pois assim que um fazia a provocação, o outro se apressava em responder. A sofisticação de letra e música é algo que pouco se vê nos dias de hoje. “Eles mostraram que é possível tirar a limpo questões pessoais com muito talento e sem violência.” Esta é a opinião de Manuel Jorge Dias, orgulhoso dono de uma cópia desse vinil.

Jorge é um engenheiro de minas formado pela Universidade de São Paulo (USP), em 1979, que ganhou notoriedade profissional pelos trabalhos realizados no ramo de implosões (como o presídio Carandiru). Tanto que passou a ser conhecido como Manezinho da Implosão. E Polêmica é um de seus discos prediletos. Essa informação ganha relevância quando consideramos o fato de Jorge ser também um dos maiores colecionadores de vinis do País. “Hoje, sou o segundo”, afirma.

O engenheiro é responsável pelo Feirão de 1 Milhão de LPs, que a partir de março de 2014 transformou os finais de semana no bairro da Mooca, na capital paulista. “Cheguei a receber 700 pessoas no evento”, conta Jorge. Também pudera, além das inúmeras opções de diferentes épocas e estilos musicais, os compradores desembolsavam apenas R$ 4,90 por disco, com direito a mais um de brinde. O sucesso foi um incentivo para a criação do Casarão do Vinil, loja localizada na mesma região e que abriga um acervo de mais de 700 mil discos. “Queremos transformar a Mooca na capital brasileira do vinil”, anuncia o empresário.

E como um especialista em implosão acaba criando uma explosão de discos dessa maneira? No melhor estilo do limão para a limonada. Pensando em diversificar os negócios, no ano 2000 Jorge arrematou cinco carretas de mercadoria em um leilão de roupas, abraçou o comércio e abriu uma loja. Não abriu mão da atividade principal, mas também não esperava que a loja acabaria “implodindo”. Problemas com falta de segurança minaram os resultados e a disposição para continuar vendendo roupas.

Foi aí que tudo começou. Para se desfazer das roupas, Jorge instituiu uma espécie de feira de trocas, na qual as pessoas pagavam pelas peças de vestuário com livros. Em seguida, começaram também a ofercer antiguidades para o escambo e, por fim, surgiram os vinis. Embora naquela época não soubesse avaliar o valor das bolachas, Jorge se encantou com as histórias por trás daqueles discos (opa, qualquer semelhança com o Vitrola Secrets não é mera coincidência, a gente também adora). Daí para frente, não parou mais, e já chegou a ter o maior acervo nacional de discos.

Jorge continua trabalhando com as implosões – será o responsável, por exemplo, pela implosão do Estádio Olímpico, a antiga casa do Grêmio, o tricolor de Porto Alegre (RS) – mas a paixão pelos discos ganhou um espaço e tanto em sua vida. Mais ainda pelo fato de ter conseguido promover ações de cidadania por meio da venda de discos, como campanhas de doação de agasalho, de sangue e de medula óssea. Que as bolachas continuem a ser motivo de felicidade.

Esse vídeo com Henrique Cazes e Cristina Buarque conta – e canta – um pouco da rivalidade musical entre Noel Rosa e Wilson Batista.