domingo, 27 de dezembro de 2015

A música é mais divertida quando tem Pixinguinha

Quando passei minha fase radical do Rock’n’Roll e me permiti ouvir o que não fazia parte da trilha sonora diária, fiquei pasmo com tantos artistas fantásticos que estava deixando de conhecer. Em pouco tempo, minhas preferências musicais tomaram proporções que eu jamais imaginara. E a partir daí, só aumentaram. Em meio a esse desbravar de fronteiras, comecei a prestar atenção no Chorinho, que apesar do nome, me cativou exatamente pela alegria que transmite. Para mim, é algo semelhante ao Blues, que mesmo tendo dissabores e frustrações como inspiração, sempre me passa um sensação muito boa.

Foi nessa transição que conheci Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, flautista, saxofonista, compositor e arranjador. O que mais gosto em sua música é o jeito divertido, leve e contagiante (no Blues, eu o veria como o B.B. King, e vice-versa). Nas poucas imagens que assisti sobre sua arte, parece estar sempre de bem com a vida. Na verdade, nem precisaria vê-las, pois tenho essa mesma impressão quando ouço as melodias rápidas que tirava de seus instrumentos. São muitas notas dentro do mesmo compasso, mas é algo tão envolvente que nem penso nisso.

Pixinguinha compôs sucessos imortais como Carinhoso, Lamento, Rosa, Página de dor e muitos outros. Nasceu no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1897. Era taurino, como meu pai. O que não quer dizer nada, só acrescentei essa informação para dizer que o velho Venâncio também me deixou de herança um disco do flautista. Em 1970, ano em que nasci, a Abril Cultural lançou uma série de vinis chamada Música Popular Brasileira. Meu pai trabalhava na Editora Abril naquele início de década, e deve ter ganhado a “bolacha”, não sei por qual razão. Eram discos menores do que os long plays, porém maiores do que os compactos (os “disquinhos”).

Já conhecia o som do Pixinguinha quando prestei atenção nesse vinil. Foi uma descoberta. Era divertido, e curioso, toda vez que eu e minha irmã mais velha, a Roseli, decidíamos olhar a discoteca do meu pai. Sempre achávamos um nome que tínhamos acabado de conhecer e nem sabíamos que estava ali, tão perto. Acho que passamos tempo demais sem ter uma vitrola em casa. Hoje também não tenho um toca-discos para ouvir esses vinis, mas há muito mais opções de onde e como encontrar as músicas que estão neles. E quando houver uma oportunidade de apreciar esse disco do Pixinguinha, vai tocar muito bem, pois está muito bem conservado.  


No vídeo abaixo dá para ter uma ideia da simpatia do mestre Pixinguinha.



segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

“Virtuose”: um bom exemplo de herança

Demorei bons anos da minha vida para entender o quanto meu pai influenciou meu gosto musical. Já comentei em outra oportunidade que ele até conhecia o Alice Cooper, mas não tinha ouvidos para Iron Maiden ou AC/DC. No máximo, aturava quando eu ouvia algo assim (geralmente em alto volume, diga-se de passagem). O velho Venâncio gostava mesmo é de moda de viola e das demais vertentes sonoras do universo caipira. Também se encantava com um bom samba – adorava Clara Nunes. Mas havia algo em comum entre seus estilos prediletos: meu querido pai era fascinado por um violão tocado com paixão.

Sinto falta de vê-lo teimosamente arranhando algumas melodias em um pequeno violão que tínhamos em casa. Foi um presente dele para mim, ou melhor, para nós dois. Ambos jamais fomos virtuosos, mas nos divertimos com aquele instrumento quase infantil, por conta do tamanho. Meu pai sempre me incentivou a tocar. Quando eu já era adolescente, redescobri em meio a seus vinis uma caixa com o título de “Virtuose”. Desde criança eu sabia da existência daquele disco, mas devido à falta uma vitrola em casa não tinha ideia de sua preciosidade.

Essa caixa está comigo até hoje, e é uma raridade, uma coletânea de exímios violonistas que me fascinam. Olha só o time (em ordem alfabética para não gerar ciumeira): Ângelo Apolônio (“Poly”), Antônio Rago, Baden Powell, Dilermando Reis, Índios Tabajaras, Julian Bream, Luiz Bonfá, Paulinho Nogueira e Sebastião Tapajós. São dois discos, um da gravadora Continental e outro da RCA, envelopados em encartes com um breve currículo de cada artista. Também há um livreto contando a história do violão. É praticamente uma aula – teórica e prática – sobre esse instrumento tão completo, do qual saem harmonia e melodia, e que tão bem representa a música brasileira.

Claro, precisava ter um toque de Rock’n’Roll nessa história. O famoso interlúdio Flight of the Bumblebee (O voo do besouro), composto pelo russo Nikolai Rimsky-Korsakov para a ópera O Conto do Czar Saltan, passou a ser quase que obrigatório no repertório dos guitarristas vidrados em técnica e velocidade. A música é mesmo muito rápida e impressionante. Já a conhecia por ter sido tema da série – e depois filme – O Besouro Verde, em que o ajudante do herói era interpretado por Bruce Lee. Fiquei estupefato (adoro essa palavra!) ao ouvi-la pela primeira vez nas mãos de um guitarrista, que já não me lembro quem era.

Fato é que o Voo do Besouro também está no álbum Virtuose. É a primeira faixa do lado B da bolacha 1, tocada pelos Índios Tabajaras. Como não poderia deixar de ser, tornou-se uma das minhas favoritas. Quem quiser conhecer mais sobre a obra deles, a música Maria Elena é linda.

Após ter decidido escrever sobre esse álbum, me dei conta de que não sabia qual era sua origem, ou seja, de que cartola meu pai havia sacado tal coelho. Pois bem, trata-se de um presente de final de ano que ele ganhou da empresa onde trabalhava como motorista, a AEG-Telefunken do Brasil, que à época completava 25 anos. Da minha idade para trás, muita gente vai se lembrar dessa marca. Quem dera mais empresas presenteassem seus colaboradores dessa forma.

Encontrei esse vídeo com Baden Powell tocando Jesus alegria dos homens, uma obra de Johann Sebastian Bach que também acho sensacional. 




segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Escrever na capa do The last in line é um pecado

Imagino o trabalhão que deve ser produzir a capa de um disco. É o retrato do conteúdo, um cartão de visita. Nos álbuns de Rock’n’Roll, mais ainda, pois o público é exigente demais – e me incluo nesse grupo. A gente quer ver obra de arte, desenhos marcantes, imagens tão surpreendentes – e até contundentes – que mereçam um pôster, uma estampa na camiseta, um quadro, uma tattoo, enfim, é uma homenagem aos artistas.

Claro, há discos que deveriam vir com uma embalagem em branco e uma caixinha de lápis de cor. Aí cada um preencheria como achasse melhor. Deixemos esses de lado, pois quero falar das capas memoráveis, tratadas com o devido respeito. É o caso de outro disco que só tenho em vinil: The last in line, segundo álbum solo de Ronnie James Dio (o primeiro foi Holy Diver), lançado em 1984, um espetáculo.

A capa e a contracapa são uma única imagem. Na frente, cores que lembram as chamas e o calor de um incinerador, um forno gigante onde são dizimados os pecadores, uma visão infernal. Ao centro, o desenho do mesmo demônio que aparece na capa do Holy Diver. O outro lado é a parte sombria que mostra a fila das almas penadas sendo conduzidas ao seu macabro fim. Essa é meramente a minha versão da ilustração, com uma pitada de “Mojica”. Em resumo, é um verdadeiro inferno. 

Mas infernal mesmo é o despautério (uau, gastei agora!) que inventaram de escrever na capa do disco. Aqui vem história tragicômica desse vinil. Comprei o LP de um colega do trabalho que gostava de alguns clássicos do Rock, mas era reprimido pela noiva que detestava qualquer som de guitarra com distorção. Mas em um momento de rebeldia, o camarada mostrou o que é ser amante do som pesado e confrontou o sistema, adquiriu sua cópia do The last in line. Isso mesmo, logo um disco do Dio, com demônio na capa e tudo para chocar e deixar bem claro: You can’t stop Rock’n’Roll.

É o escambau! Para evitar qualquer tipo de conflito desnecessário com o sistema – a noiva, no caso –, ele escreveu uma dedicatória para si mesmo, em nome de outra pessoa. Como censurar um presente, não é mesmo? Mas não podia ter colocado um cartão, um bilhete, uma carta, um pergaminho, precisava escrever na capa do disco? Nove linhas de dedicatória na capa?

Como nada é tão ruim que não possa piorar, achei que seria importante também escrever na capa para deixar claro que o disco era meu (se é possível amenizar o grau do pecado, eu tinha apenas 15 anos). O álbum é tão bom que não poderia guardar apenas para mim. Acabei emprestando-o para um amigo. Acho que ele ficou animado com tanta coisa escrita naquela capa que decidiu me deixar um autógrafo. Fala sério, quem assina a capa de um disco que pegou emprestado? Hoje eu dou risada disso tudo, mas é para chorar.

Vai aí o clipe da faixa título, essa sonzeira em que Dio tem a companhia do genial Vivian Campbell na guitarra, Vinni Apice na bateria, Jimmy Bain no baixo e Claude Schnell nos teclados.



domingo, 6 de dezembro de 2015

O primeiro solo a gente nunca esquece

Neste exato momento, estou tentando retomar – e manter – a prática de coisas que me dão muito prazer, mas que acabam sendo ofuscadas por uma rotina teoricamente prioritária. Escrever aqui no Vitrola é uma delas. Mas também há a prática de esportes com frequência e tocar guitarra. E se existe algo que me serve de incentivo agora é recordar ocasiões que me fizeram muito feliz. Fui buscar um exemplo lá na década de 1980.

A “bolacha” da vez é Slide it in, o sexto álbum do Whitesnake, gravado em 1983. E, neste caso, digo bolacha porque só tenho mesmo o disco em vinil. Foi um dos primeiros da minha modesta discoteca, e é um dos meus prediletos. Adoro o som dessa banda britânica, liderada pelo cabeludo David Coverdale, vocalista que influenciou gente a perder de vista. Tocaram no Brasil na primeira edição do Rock in Rio, em 1985. A faixa mais conhecida do LP é Love ain’t no stranger, mas a que me inspirou a escrever o texto foi Guilty of love.

Quando inventei essa história de querer tocar guitarra, passei por várias etapas até chegar a tirar um som de verdade. Veio a fase de sonhar em ter equipamentos, depois a de conseguir comprar a parafernalha (o que era possível à época: uma guitarra Jennifer, porém no modelo Explorer, e um amplificador Mikassin) e a de saber tocar um trecho de vários clássicos do Rock. Era uma mistura de animação e frustração. Num minuto você se acha o tal porque todos seus amigos vão reconhecer aquele riff e achar o máximo, e no outro até desiste de mostrar o que aprendeu porque é só aquilo mesmo.

Mas com determinação, persistência e um pouco de vergonha na cara, é possível evitar essa situação ridícula. Mais ainda quando se consegue tirar a música “de ouvido”. Parece papo de velho – e é mesmo –, mas naquela época era difícil conseguir tablaturas e não havia a acessibilidade da internet como vemos hoje. Para assistir aos vídeos das principais bandas, não se buscava no Google ou no Youtube, mas sim na Woodstock, famosa loja de discos que ficava no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.

Pois bem, equipado com a minha super Jennifer – comentei que ela era amarela? – e meu play do Whitesnake, achei meio que sem querer as primeiras notas de Guilty of love. Quando percebi que era de verdade, continuei buscando as outras notas, os acordes, a base toda e, finalmente, o solo. Foi quase um orgasmo musical. Eu mal acreditava. A parte triste é que estava sozinho no momento e não pude compartilhar com ninguém (como eu já disse, internet, celular, 3G, WhatsApp, essas paradas tecnológicas não faziam parte daquele período).

Mas claro que não demoraria a anunciar tamanha conquista. Uma das primeiras pessoas para quem mostrei a façanha foi meu camarada Paulo Borges, com quem eu fazia um som sempre que podia. Artista nato, ele cantava Coverdale com uma naturalidade impressionante, o que tornou ainda mais sensacional tirar a música juntos. Mais tarde, Guilty of love também fez parte do repertório de uma banda de covers em que tocamos, o Lapso da Razão (o nome era uma referência ao álbum A momentary lapse of reason, do Pink Floyd). Essas coisas são marcantes e nos ajudam a lembrar do que somos capazes.

Encontrei o vídeo promocional da Guilty of love. É muito bacana!