segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

“Virtuose”: um bom exemplo de herança

Demorei bons anos da minha vida para entender o quanto meu pai influenciou meu gosto musical. Já comentei em outra oportunidade que ele até conhecia o Alice Cooper, mas não tinha ouvidos para Iron Maiden ou AC/DC. No máximo, aturava quando eu ouvia algo assim (geralmente em alto volume, diga-se de passagem). O velho Venâncio gostava mesmo é de moda de viola e das demais vertentes sonoras do universo caipira. Também se encantava com um bom samba – adorava Clara Nunes. Mas havia algo em comum entre seus estilos prediletos: meu querido pai era fascinado por um violão tocado com paixão.

Sinto falta de vê-lo teimosamente arranhando algumas melodias em um pequeno violão que tínhamos em casa. Foi um presente dele para mim, ou melhor, para nós dois. Ambos jamais fomos virtuosos, mas nos divertimos com aquele instrumento quase infantil, por conta do tamanho. Meu pai sempre me incentivou a tocar. Quando eu já era adolescente, redescobri em meio a seus vinis uma caixa com o título de “Virtuose”. Desde criança eu sabia da existência daquele disco, mas devido à falta uma vitrola em casa não tinha ideia de sua preciosidade.

Essa caixa está comigo até hoje, e é uma raridade, uma coletânea de exímios violonistas que me fascinam. Olha só o time (em ordem alfabética para não gerar ciumeira): Ângelo Apolônio (“Poly”), Antônio Rago, Baden Powell, Dilermando Reis, Índios Tabajaras, Julian Bream, Luiz Bonfá, Paulinho Nogueira e Sebastião Tapajós. São dois discos, um da gravadora Continental e outro da RCA, envelopados em encartes com um breve currículo de cada artista. Também há um livreto contando a história do violão. É praticamente uma aula – teórica e prática – sobre esse instrumento tão completo, do qual saem harmonia e melodia, e que tão bem representa a música brasileira.

Claro, precisava ter um toque de Rock’n’Roll nessa história. O famoso interlúdio Flight of the Bumblebee (O voo do besouro), composto pelo russo Nikolai Rimsky-Korsakov para a ópera O Conto do Czar Saltan, passou a ser quase que obrigatório no repertório dos guitarristas vidrados em técnica e velocidade. A música é mesmo muito rápida e impressionante. Já a conhecia por ter sido tema da série – e depois filme – O Besouro Verde, em que o ajudante do herói era interpretado por Bruce Lee. Fiquei estupefato (adoro essa palavra!) ao ouvi-la pela primeira vez nas mãos de um guitarrista, que já não me lembro quem era.

Fato é que o Voo do Besouro também está no álbum Virtuose. É a primeira faixa do lado B da bolacha 1, tocada pelos Índios Tabajaras. Como não poderia deixar de ser, tornou-se uma das minhas favoritas. Quem quiser conhecer mais sobre a obra deles, a música Maria Elena é linda.

Após ter decidido escrever sobre esse álbum, me dei conta de que não sabia qual era sua origem, ou seja, de que cartola meu pai havia sacado tal coelho. Pois bem, trata-se de um presente de final de ano que ele ganhou da empresa onde trabalhava como motorista, a AEG-Telefunken do Brasil, que à época completava 25 anos. Da minha idade para trás, muita gente vai se lembrar dessa marca. Quem dera mais empresas presenteassem seus colaboradores dessa forma.

Encontrei esse vídeo com Baden Powell tocando Jesus alegria dos homens, uma obra de Johann Sebastian Bach que também acho sensacional.