domingo, 17 de janeiro de 2016

Os pais podem se assustar com o que os filhos ouvem

Na última quinta-feira tive o prazer de conversar, por telefone, com Luedji Luna, uma jovem artista de Salvador-BA que escolheu a cidade de São Paulo como plataforma de projeção para seu trabalho. Ela é cantora, compositora e dona de uma voz linda, suave e cativante. E tem ótimo senso de humor. Suas canções são um reflexo de sua voz, mas toda essa doçura também traz mensagens poderosas. Fiquei impressionado, por exemplo, com a seguinte frase de “Batom”, música de sua autoria: “A vontade reprimida é a moradia da loucura”. Luedji integra o casting da Jazz House, empresa especializada em assessoria e produção de músicos e que está prestes a se tornar também um selo.

Tomei o cuidado de fazer toda essa descrição para poder passar uma ideia mais clara da minha surpresa ao perguntar sobre qual “bolacha” falaríamos. Disse a Luedji que buscava alguma história curiosa ou engraçada, ou as duas coisas. Enquanto conversávamos ela fez sua escolha: “Toxicity”, do System of a Down. Pensei comigo: “Ela está de brincadeira!”. A banda californiana é uma paulada, nada tem a ver com a música de Luedji. Veio a explicação: era um dos sons que ela mais ouvia na adolescência.

“Toxicity” é o segundo disco do System, gravado em 2011. Entre as 14 faixas está “Chop Suey”, uma das mais conhecidas da banda. Os caras tem um som diferente. A mistura de velocidade e distorção por vezes lembra uma metralhadora. Ao mesmo tempo, trazem melodias surpreendentes, algo que sempre atraiu Luedji. “A banda é orquestral, o vocalista tem uma voz de ópera. Das bandas de Rock que ouvia era a que eu mais gostava”, comenta. Os pais de Luedji sabiam dessa preferência e resolveram presenteá-la com o CD no Natal. Pretendiam fazer uma surpresa, e foram surpreendidos.

Luedji estava em seu quarto e os pais colocaram a “bolacha” para tocar em outro lugar da casa. A ideia era que o som a levasse à descoberta do presente. Com o volume no talo e a caixa de ferramentas aberta, “Prison Song”, a faixa que abre o disco, causou um pandemônio. O sorriso da adolescente brilhou assim que percebeu o petardo dominando a casa. Já seus pais estavam desesperados tentando abaixar o volume e entender o que era aquilo. “Filha, jamais imaginaríamos que escutasse essas coisas”, disseram apavorados. Não pude conter as gargalhadas ao ouvir a narração de tal episódio e, claro, prontamente me identifiquei (meus pais também não entenderiam a razão de eu ouvir Mercyful Fate).

O Rock’n’Roll rendeu bem mais do que uma engraça história natalina para a vida de Luedji. “O Rock é um mosquitinho que quando te pica marca para sempre. E o que mais eu trouxe dessa praia para o meu trabalho é a atitude, o fato de estar no palco total e genuinamente entregue, sem caras e bocas.” Ouvir uma declaração dessas de uma cantora de Música Popular Brasileira é sensacional. Também acredito que o Rock’n’Roll vai muito além do estilo musical, é muito atitude.

Essa postura já acompanha Luedji desde quando seus pais escolheram seu nome. Eles integravam uma geração de militantes do movimento negro na década de 1970. Uma das formas de resgatar o valor de sua raça era dar a seus filhos nomes de origem africana. Já o Luna surgiu na adolescência e completou o nome artístico.

Para quem quiser conhecer um pouco do trabalho de Luedji, ao vivo, a cantora estará entre os músicos da Jazz House que se apresentarão no Bourbon Street, em São Paulo, no dia 21 dejaneiro, a partir das 22h. E para saber o que assustou os pais dela, vai aí um vídeo de “Prison Song”.