domingo, 28 de fevereiro de 2016

Se Marky Ramone não vai a Piracaia...

Alguns medalhões da música internacional não perdem a chance de vir ao Brasil. A calorosa recepção que costumam encontrar por aqui é certamente uma das razões. Que o diga Marc Steven Bell, ou melhor, Marky Ramone, o baterista e único sobrevivente dos Ramones, lendária banda norte-americana de Punk Rock. Toda vez que ele resolve nos visitar atrai gente de todos os lados e que faz de quase tudo para se aproximar, trocar uma palavra, pegar um autógrafo, enfim, aproveitar a oportunidade.

Um exemplo é meu camarada Igor Muller, radialista e apresentador das Rádios Eldorado e Estadão. Quando Marky esteve no País em 2005, Igor trabalhava na Rádio Brasil 2000, onde o músico daria uma entrevista e, claro, faria um som. “Meu horário era das 18h às 22h, e o Marky ia tocar lá às 16h. Naquele dia cheguei ao meio-dia”, lembra ele, que esperava pelo baterista acompanhado de sua cópia de Road to Ruin para ser devidamente autografada. Lançado em 1978, Road to Ruin é o disco de estreia de Marky nos estúdios com os Ramones, e traz I Wanna Be Sedated e Needles and Pins entre as faixas mais tocadas.

Parte interessante de toda essa história é a origem da “bolacha”, agora com valor agregado por conta do autógrafo de Marky. Igor é natural de Piracaia, cidade do interior de São Paulo, próxima de Atibaia e a pouco mais de 40 km da divisa com Minas Gerais. Foi lá que iniciou sua carreira pelas ondas radiofônicas, em 2002, participando da programação esportiva e também musical da rádio comunitária.

Com certa frequência (sem qualquer intenção de trocadilho), uma leva de vinis era, como podemos dizer, colocada à disposição para doação. Foi em uma dessas limpas que Igor garimpou o Road to Ruin, intacto. Ele lembra que era comum encontrar raridades em excelente estado no meio daqueles discos. “Achei coisas como Selvagem, dos Paralamas do Sucesso, e Music for Airport, de Brian Eno”, confirma. Quem diria que um vinil prestes a virar descarte em Piracaia acabaria nas mãos de Marky Ramone para ser autografado? Se Maomé não vai à montanha...

Na verdade, esse episódio é uma das muitas histórias que Igor tem para contar sobre os caminhos que ele mesmo tem construído para ir a Maomé, à montanha e a diversos outros destinos. Apaixonado por música desde a infância, teve a sorte – ou o destino – de sempre estar em contato com artistas de qualidade, gente de primeira linha. O espírito questionador também o incentivou a querer saber mais sobre toda essa galera e entender cada vez mais e melhor as sonoridades diante de seus ouvidos.

Foi essa inquietude que o levou, por exemplo, à Rádio Brasil 2000. “Havia lá um programa transmitido nas noites de sexta com a seleção musical dividida entre alguém conhecido e um ouvinte, com meia hora para cada um”, conta. E acrescenta: “Enviei minha seleção e fui escolhido para apresentar no mesmo dia que o Dudu Braga”. Se o simples fato de participar já seria gratificante, estar no mesmo programa que o filho de Roberto Carlos então foi um prêmio.

Provavelmente mais do que isso. Na preparação para o programa Igor teve contato com a equipe técnica e conversou sobre sua experiência como locutor e seu conhecimento musical. O bate-papo foi o primeiro passo para, mais tarde, estar do mesmo lado de profissionais que já admirava. Trabalhar com o que se gosta não é só uma questão de privilégio, é consequência do quê e de como se busca. Que venham novas histórias para contarmos por aqui.

Aí vai uma apresentação dos Ramones com Needles and Pins, em 1978.



domingo, 21 de fevereiro de 2016

Amigo também é para essas coisas

Entre as muitas coisas boas que vêm da música está o milagre da multiplicação das amizades. Tudo bem, milagre pode ser um exagero, mas que a sintonia na preferência musical é um estímulo e tanto para aproximar novos e velhos amigos, disso não há dúvidas. No entanto, é bom lembrar: para tudo nessa vida há limites. Que o diga o jornalista Eduardo Barão, pois vai por aí a história que ele nos contou sobre uma “bolacha” que nunca teve.

O disco em questão é VS., o segundo gravado pelo Pearl Jam e lançado em outubro de 1993. “É aquele com uma ovelha na capa”, detalha Barão. Com 12 faixas, VS. tem um som pesado na maior parte do tempo, chegando a ser sombrio em certos momentos. A energia peculiar da banda está muito presente. Experimente colocar Go, a faixa de abertura, como som de seu despertador e vai entender bem o que isso significa. Algumas das músicas mais tocadas na época são as menos “paulada”, como Daugther, Dissident e Elderly woman behind the counter in a small town.

Voltando à relação entre música e amizade, a admiração pelo Pearl Jam é compartilhada por Eduardo Barão com o amigo de infância e também jornalista Luiz Megale. Talvez a medida da predileção seja um pouco diferente. “O Megale queria ser o primeiro cara no Brasil a comprar o VS.”, explica Barão. Se havia um ponto estratégico para fechar o cerco em torno da primeira cópia de VS., em São Paulo (ambos moram na capital paulista), esse lugar era Galeria do Rock, no centro velho da cidade.

Pois bem, a aventura começou bem cedo no dia em que o disco chegaria ao País. “Praticamente abrimos a Galeria. Mas logo soubemos que o disco só estaria lá um pouco mais tarde”, recorda Barão. Durante toda a manhã, os dois não arredaram pé do local, buscando loja por loja. Após o almoço, ali pelo centrão mesmo, retornaram para o segundo turno da jornada.

A rotina não foi diferente: peregrinação pelas lojas sem que o VS. aparecesse. Diga-se de passagem, o nome da bolacha era bem sugestivo para a situação. “O dia terminou e ainda estávamos lá, sem o disco”, conta Barão, que acabou por deixar o campo de batalha. “Eu já tinha feito a minha parte de amigo.” É, tudo tem limite, até montar guarda a espera de um lançamento do Pearl Jam.

Mas, Barão, e o Megale? “Continuou lá por mais um tempo, sem sucesso. No dia seguinte, voltou à Galeria e conseguiu o CD”, responde. E acrescenta: “Até hoje ele acredita ter sido um dos primeiros brasileiros a adquirir o VS.”. Depois dessa experiência, nem mesmo a admiração pela banda e pelo próprio disco fez com que o Barão tivesse sua própria cópia. “O VS. é muito bom, já ouvi umas quinhentas vezes. Mas nunca comprei.”

A amizade de Barão e Megale ficou bastante conhecida pelos ouvintes da Rádio Band News FM, pois os dois trabalharam juntos apresentando a programação matutina da emissora. Barão continua nas ondas radiofônicas (entre outras missões no Grupo Bandeirantes) e Megale está na bancada do Café com Jornal, nas manhãs televisivas da Band.

Aqui vai uma pitada do VS., com o Pearl Jam tocando Dissident ao vivo. 



domingo, 7 de fevereiro de 2016

Bendita seja a reciclagem musical

Alguns discos têm importância tão grande na carreira dos artistas que viram raridade. É o caso de “Pirão de peixe com pimenta”, que marcou a trajetória de Sá e Guarabyra. A “bolacha” gravada em 1977, pela Som Livre, traz sucessos como “Sobradinho” e “Espanhola” e mostra um estilo musical que fala de maneira cativante sobre a cultura e o cotidiano interioranos do Brasil. O trabalho da dupla também se destaca pela elevada qualidade técnica, sem deixar de ser popular. Imagina-se que qualquer cópia do “Pirão” seja guardada com muito zelo e carinho. Mas nem sempre é assim.

Alguém acredita que esse disco poderia ser encontrado no lixo? Pois foi exatamente assim que o violeiro Ricardo Vignini descolou sua cópia. “Achei este e diversos outros vinis em uma lixeira do prédio onde morava”, conta. Isso aconteceu lá pelos anos 1990, quando o músico vivia na Vila Santa Catarina, zona sul da cidade de São Paulo (SP). “É um grande disco da dupla, gravado com uma grande banda”, acrescenta. Descaso para uns, presente para outros.

O encontro de Vignini com o disco de Sá e Guarabyra aconteceu em um momento de reciclagem musical. Primeiro, porque salvou a “bolacha” de um destino cruel. Segundo, porque foi naquela época que o som digital vinha ganhando espaço e os CDs começavam a assumir o reinado dos vinis. E, em terceiro, porque o próprio Vignini estava definindo novos rumos para sua carreira. “Toquei guitarra por muito tempo, e comecei com Rock pesado. Mas minha avó sempre me falava da catira e de outras coisas da cultura musical do interior.”

Vignini descobriu que a energia buscada no Rock’n’Roll também podia ser encontrada em um ponteado de Tião Carreiro. Daí para a frente, sua carreira passou a girar em torno da viola. Mais do que um dedicado instrumentista, também se tornou um pesquisador da cultura popular do Sudeste. Inevitavelmente, foi se envolvendo com outros nomes significativos dessa praia, ou melhor, desse campo.

Bom exemplo é o violeiro Zé Helder, com quem forma o Moda de Rock, projeto musical em que fazem versões de grandes clássicos do Rock’n’Roll para viola. “A história começou com o intuito de atrair a atenção dos jovens para o instrumento e foi tomando uma proporção gigante”, diz o violeiro. Do lançamento do primeiro disco, há cinco anos, até o final de 2015, a dupla realizou mais de 300 apresentações, dentro e fora do Brasil. E andam com a agenda cheia.

No início de janeiro, Vignini e Zé Helder lançaram o disco Moda de Rock II. O Vitrola foi conferir uma das apresentações. A dupla é mesmo impressionante. Para se ter ideia da versatilidade e da criatividade da dupla, o repertório passa por Iron Maiden, Slayer, Ozzy Osbourne, Metallica, Pink Floyd, Queen, entre outros. No entanto, Vignini deixa um recado para a garotada que pretende se divertir tocando Rock’n’Roll na viola: “Primeiro tem de aprender a tocar Tião Carreiro”.

Aqui vai um vídeo de Sá e Guarabyra tocando “Sobradinho” na TV Cultura, no programa “Viola, minha viola”, apresentado na época pela saudosa Inezita Barroso.